Incerteza fiscal leva governo Lula a pagar maior juro desde PEC Kamikaze de Bolsonaro

A desconfiança dos investidores quanto à disposição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cumprir o arcabouço fiscal levou o Tesouro Nacional a pagar a maior taxa de juros nas emissões da dívida pública desde julho de 2022, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguiu aprovar a PEC Kamikaze para turbinar gastos em ano eleitoral.

O ambiente desfavorável fez com que a União não só pagasse mais caro, mas também freasse a captação de recursos no mês de junho. Sempre que isso acontece, o governo precisa recorrer a uma reserva de liquidez, conhecida como "colchão da dívida", para honrar obrigações com os investidores.

A turbulência se deu em um mês marcado pela piora no ambiente externo e por uma sucessão de declarações de Lula que ampliaram a percepção de risco fiscal no Brasil. O chefe do Executivo desferiu ataques ao Banco Central e interditou uma série de medidas de contenção de gastos que estavam em discussão na equipe econômica.

A cotação do dólar escalou e chegou a bater a marca dos R$ 5,70 durante a terça-feira (2), o que gerou repercussão negativa para o governo e deflagrou uma espécie de freio de arrumação. Na quarta (3), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias para 2025.

Mas o câmbio não foi o único ativo financeiro que reagiu à maior percepção de risco. As taxas cobradas pelos investidores para financiar o governo brasileiro deram um salto nos diferentes segmentos da curva de juros, que incluem prazos curtos e mais longos.

Já o volume das emissões ficou em R$ 68,6 bilhões em junho, o menor do ano e um valor baixo ante a média dos últimos 12 meses (cerca de R$ 130 bilhões ao mês).

Um dos principais termômetros dessa desconfiança é a emissão das NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional - Série B), título remunerado pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa real de juros.

Na última terça, a NTN-B de três anos foi emitida com uma taxa de 6,78% acima da inflação, patamar recorde desde que o papel com esse prazo foi criado, em 2023. Diante do custo elevado, o Tesouro aceitou captar apenas R$ 261 milhões, um valor considerado baixo.

Na NTN-B de cinco anos, título com histórico maior, o governo brasileiro pagou juro real de 6,3439% em 11 de junho e de 6,3279% em 25 de junho. O pico foi o maior desde 19 de julho de 2022, após a promulgação da PEC Kamikaze de Bolsonaro, quando chegou a 6,378%.

As taxas se equiparam a outros momentos de afrouxamento da política fiscal ou de maior percepção de risco, como o aumento de gastos aprovado na transição para o governo Lula, a dúvida sobre a aprovação do teto de gastos no governo Michel Temer (MDB) e as semanas que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.

A deterioração também foi percebida nas NTN-Bs de 40 anos, papéis de maior prazo emitidos pelo governo nos leilões de oferta pública, e nas NTN-Fs (Notas do Tesouro Nacional - Série F) de dez anos, títulos prefixados preferido dos estrangeiros.

"Se eu preciso ir ao banco toda semana para tomar empréstimo, eu preciso convencer o banco toda semana que eu tenho condições de pagar os empréstimos. Senão, ele vai me cobrar taxas de juros cada vez mais altas", afirma o economista Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional.

"É nesse sentido que o governo precisa estar o tempo todo reforçando a credibilidade em sua trajetória de solvência, de maneira estrutural e no curto prazo, e evitar ruídos de comunicação que coloquem em dúvida a institucionalidade, tanto da política monetária quanto da política fiscal. Isso é fundamental para cada leilão", diz.

Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.

Em relatório a clientes, o economista Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena e ex-chefe do Departamento de Mercado Aberto do BC, elencou seis fatores que afetaram negativamente o mercado de títulos públicos no mês de junho.

Eles incluem os rumores de isolamento de Haddad dentro do governo, as seguidas declarações de Lula refutando a necessidade de conter gastos e atacando a autonomia do BC, os receios quanto à sucessão de Roberto Campos Neto, a redução da alocação de investidores em mercados emergentes, o pequeno apetite dos investidores locais ao risco e a significativa desvalorização do real.

Um aumento no custo da dívida tem reflexo direto no esforço que o próprio governo ou seus sucessores precisarão fazer para honrar a fatura dessas obrigações. As taxas mais altas serão carregadas durante anos, até o vencimento do papel emitido no momento da turbulência.

O que você está lendo é [Incerteza fiscal leva governo Lula a pagar maior juro desde PEC Kamikaze de Bolsonaro].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...