Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo: um caso não resolvido

A Revolução Constitucionalista de 1932 eclodiu no dia 9 de julho, mas os fatos que a desencadearam aconteceram 47 dias antes, no dia 23 de maio, quando cinco jovens foram atingidos por tiros e estilhaços de granada em um protesto que acontecia na esquina da rua Barão de Itapetininga com a então rua Ipiranga, em frente à praça da República.

Os manifestantes reivindicavam democracia, eleições, uma nova constituição e, especialmente, o fim da intervenção federal em São Paulo. As elites paulistas, apoiadas pela classe média, estavam profundamente insatisfeitas com os rumos que o Governo Provisório de Getúlio Vargas tinha tomado, ultrajantes para a autonomia do estado, e alguns grupos minoritários falavam, inclusive, em separatismo.

As vítimas fatais foram Mário Martins de Almeida, Euclydes Bueno Miragaia, Antônio Américo de Camargo Andrade e Dráusio Marcordes da Silva, um adolescente de 14 anos que morreu cinco dias depois. Os quatro deram origem à sigla MMDC, que batizaria uma organização política e militar clandestina que prepararia o levante, arrecadando fundos e recrutando soldados.

Uma quinta pessoa também ficou em estado grave, o escrevente Orlando Alvarenga, que morreria 82 dias após o incidente e não ganhou a mesma notoriedade dos outros quatro jovens. Ele não participava do protesto. Houve pelo menos outros dez feridos naquele dia.

Na ocasião cerca de 300 pessoas se reuniram na Praça da República, a maioria estudantes e profissionais liberais, e decidiram atacar a sede do Partido Popular Paulista (PPP), antiga Legião Revolucionária de São Paulo, que apoiava o governo Vargas.

Os manifestantes tentaram invadir o prédio onde estava instalado o partido e chegaram a atear fogo no hall de entrada. O ataque foi reprimido com balas e granadas por militares que faziam a segurança do local. O Corpo de Bombeiros, chamado para debelar as chamas, foi recebido com hostilidade.

Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo sucumbiram à reação dos agentes do governo, se tornaram mártires e acirraram os ânimos revolucionários. Martins tinha 31 anos e era filho de fazendeiros, Miragaia, com 21 anos, trabalhava como auxiliar de cartório, Camargo, aos 30 anos, era comerciário e Dráusio, auxiliar em uma farmácia. Hoje todos eles batizam nomes da ruas no bairro do Butantã.

A identidade dos atiradores nunca foi revelada. Só se sabia que eram do Exército. Em 7 de junho de 1932, o chefe dos investigadores da polícia da cidade, Francisco Franco, solicitou à 2ª Região Militar, então sob comando do general Pedro Aurélio de Gois Monteiro, a relação dos nomes dos guardas que estavam no local na noite dos acontecimentos, mas nunca obteve uma resposta útil ao inquérito.

Um ofício que chegou às mãos de Franco 16 dias depois do protesto não autorizava que militares fossem ouvidos e nem oferecia qualquer informação adicional que pudesse levar ao reconhecimento dos assassinos.

A negativa do Exército em expor seus soldados e oficiais motivou a paralisação das investigações. Mas o inquérito de 78 páginas revelava informações como as declarações de Dráusio e os laudos das necropsias de Martins, Miragaia e Camargo, que expõem a causa de suas mortes

Depois que as forças paulistas foram derrotadas na guerra contra o governo federal o assunto caiu no esquecimento. O inquérito, redescoberto por pesquisadores em 2013, só chegou ao Judiciário 22 anos depois dos acontecimentos e já estava prescrito. O documento que extinguiu a ação penal e a punibilidade foi assinado pelo juiz da Vara Auxiliar do Júri do Tribunal Waldemar César Silveira, em 7 de dezembro de 1954.

A Revolução Constitucionalista durou quase três meses. No dia 2 de outubro de 1932, os paulistas, sem soldados e mantimentos suficientes, se renderam às forças legalistas do Governo Provisório. Do lado constitucionalista houve pelo menos 600 mortes. Os restos mortais desses combatentes, assim como os de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, estão hoje no Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32, no Ibirapuera.

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