A grande contradição de Adam Smith: a fábrica de alfinetes contra a mão invisível (ou mercantilismo x livre mercado)

💥️Por Paulo Gala

A fábrica de alfinetes destaca a divisão do trabalho, as economias de escala, os retornos crescentes e a tendência a aglomeração e vantagens monopolistas (com feedbacks positivos). A mão invisível vai na outra direção e destaca os retornos decrescentes (um ponto chave nas obras de Malthus e Ricardo) e o funcionamento de um sistema de preços competitivo (com feedbacks negativos); essa a perspectiva destacada por David Warsh em seu maravilhoso livro Knowledge and the Wealth of Nations: contradição essa que já havia sido claramente detectada por George Stigler em 1951 e que Smith não resolve e nem trata em sua obra.

Se a fábrica de alfinetes ilustra o funcionamento dos mercados onde há retornos crescentes, então a política econômica correta para gerar desenvolvimento econômico é o mercantilismo e não o livre comércio! Esses insights de Smith foram ampliados no trabalho de Allyn Young (divisão do trabalho e increasing returns) dos anos 1920 e também no pensamento austríaco de Bohm Baverk. Algo que estava presente já nos clássicos trabalhos de Alfred Marshall sobre economias de aglomeração, redes produtivas locais e externalidades positivas presentes nas suas analises de “distritos industriais” do final do século XIX. Nicholas Kaldor parte dos trabalhos de Allyn Young e da divisão do trabalho dentro das empresas e entre as empresas para destacar a importância dos retornos crescentes de escala na indústria.

Para alguns austríacos a lá B. Baverk o setor industrial também é chave.

Essa característica da indústria e das possibilidades de divisão do trabalho ficaram conhecidas como as economias de “roundaboutness” (termo chave de HPE de toda essa discussão) que diz o seguinte: se o Robinson Crusoé estiver sozinho numa ilha vale mais a pena ele gastar tempo fazendo um barco e uma vara de pesca do que sair nadando para pescar peixes. Ou seja, se ele dividir a tarefa de pesca e “mecaniza-la” ele será bem mais PRODUTIVO do que se sair nadando para pescar. Nessa linha Allyn Young destaca a importância do roundaboutness que Smith tão bem sacou e o Bohm Baverk aprofundou; vale destacar que as atividades industriais são as mais propícias para se aplicar o roundaboutness (divisão do trabalho, especialização e mecanização) e, portanto, são o motor da produtividade de uma economia.

Warsh nos conta como Paul Krugman teve as sacadas para modelar esses processos a partir de uma conversa com um empresário que contava para ele como o Japão usou seu mercado interno para “treinar” suas empresas de carros para depois conquistar a América (o mesmo ocorreu com TVs, cortadores de grama, motos, semicondutores, eletrônicos em geral e outro produtos). Usando modelagem mais formal não era difícil perceber que com retornos crescentes de escala quem sai na frente ganha! Estabelece uma posição competitiva com custos decrescentes que dificilmente poderá ser contestada no futuro (first mover advantage). Mercados não conseguem “resolver” isso automaticamente, a distância entre países e empresas aumenta, surgem divergências e não convergências.

http://www.paulogala.com.br/para-entender-microeconomia-do-desenvolvimento-economico-michael-porter/

No mundo do comércio das commodities reinava a concorrência perfeita; no mundo do comércio de manufaturas com economias de escala reinava a concorrência monopolistica. Krugman foi capaz de formalizar e modelar o que os economistas do desenvolvimento sempre souberam: Antônio Serra, mercantilistas ingleses, franceses e italianos, F. List, Alexander Hamilton, o próprio Adam Smith com sua fábrica de alfinetes, Allyn Young, Nicolas Kaldor, R. Nurkse, Prebisch e Furtado entre outros.

Em seu maravilhoso livro, David Warsh nos conta como essa tensão entre o papel de retornos crescentes e decrescentes de escala no crescimento econômico se desenrolou em mais de 200 anos de teoria econômica; de Smith, passando por economistas do desenvolvimento, depois Krugman, Paul David, Brian Arthur, R. Lucas, Paul Romer até os dias de hj. Uma história magistral do pensamento macroeconômico sobre o tema; vale a pena ler! (400 páginas)

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