Reforma tributária: o impacto não considerado para as organizações sem fins lucrativos

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 regulamenta a reforma tributária, aprovada no final do ano de 2023, na forma da Emenda Complementar nº 132/2023, ao instituir o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IS (Imposto Seletivo), e foi recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados.

Desde então, diversos aspectos do texto aprovado foram destacados nos noticiários, notadamente os pontos conquistados pelas organizações sem fins lucrativos, cuja importância foi reconhecida pela reforma tributária ao estender a elas a aplicação do regime de imunidade aos impostos atualmente incidentes sobre renda, patrimônio e serviços, também ao IBS e à CBS —o que representa uma grande conquista para as organizações imunes.

Outra importante vitória celebrada pelas organizações sem fins lucrativos foi a manutenção dos requisitos atualmente previstos pela legislação para fruição dos regimes de imunidade, inclusive a impossibilidade de distribuição de recursos e a necessidade de aplicação do seu superávit na consecução de suas finalidades sociais, apesar das propostas de alteração do Código Tributário Nacional no âmbito do PLP.

Ainda que de fato o texto aprovado tenha consolidado importantes avanços para as organizações sem fins lucrativos, destaca-se um ponto bastante relevante mantido no texto e que impacta consideravelmente a atividade das organizações sem fins lucrativos no Brasil: a previsão de que a isenção e a imunidade não implicam crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes e acarretam a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

A reforma tributária, para além da simplificação do sistema tributário com a substituição dos cinco tributos incidentes sobre o consumo (ISS, ICMS, PIS, Cofins e IPI) e pelos três novos tributos (IBS, CBS e IS), teve como uma das suas grandes promessas a de não cumulatividade plena dos tributos ao longo das cadeias de incidência. Ou seja, os tributos incidentes em cada etapa da cadeia podem ser compensados com os tributos pagos nas etapas antecedentes.

O texto constitucional dispõe que o IBS e a CBS serão não cumulativos, mas que as operações imunes e isentas não implicam crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes e acarretam a anulação do crédito relativo às operações anteriores, tendo facultado à lei complementar a previsão de exceções ao dispor que as previsões se aplicam para o regime de imunidade salvo quando determinado em contrário em lei complementar.

Da forma como previsto, no caso das operações isentas ou imunes, além de não ser gerado crédito para as próximas etapas da cadeia, considerando o não recolhimento do tributo do qual o contribuinte poderia se creditar, o crédito relativo ao imposto que foi recolhido nas etapas anteriores deve ser anulado. Isso quer dizer que, apesar da determinação constitucional de os tributos serem não cumulativos, os créditos acumulados na cadeia quando organizações sem fins lucrativos adquirem bens e serviços tributados se tornam custo a ser suportado por elas diante do seu não aproveitamento.

A obrigação de anular os créditos de IBS e CBS decorrentes das operações anteriores diminui o impacto da desoneração tributária que se pretende conceder com a imunidade, conflitando com o objetivo constitucional de proteger as organizações que atuam em prol de toda a sociedade.

O texto aprovado do PLP não aproveitou a oportunidade constitucional de prever exceção para que as operações imunes realizadas pelas organizações sem fins lucrativos não impliquem anulação do crédito relativo às operações anteriores, deixando de priorizar a desoneração das suas atividades, em descompasso com o que dispõe a Constituição Federal e com o que pretendeu priorizar a própria reforma tributária.

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Como forma de o texto aprovado melhor se adequar à intenção constitucional de desonerar as atividades das organizações sem fins lucrativos, tornando menos custosa a atividade por elas desempenhadas, é importante que preveja mecanismo para possibilitá-las de aproveitar os créditos acumulados na cadeia. A possibilidade de excetuar as operações das organizações sem fins lucrativos da regra geral de anulação dos créditos no caso de operações imunes e isentas prevista na Constituição foi claramente dada ao legislador pelo texto constitucional quando faculta a previsão de disposições contrárias em lei complementar.

Diante disso, conclui-se que a reforma tributária trouxe conquistas e avanços para as organizações sem fins lucrativos, reconhecendo sua importância e priorizando sua atuação. Contudo, é fundamental que os legisladores considerem as peculiaridades das organizações sem fins lucrativos nas próximas etapas de regulamentação da reforma tributária, sob pena de elas não aproveitarem efetivamente as alterações propostas em seu benefício pela Constituição Federal.

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