A tara de certa esquerda com Maduro

No final do último mês ocorreram "eleições" na Venezuela. Com aspas sim, pois não dá para chamar aquilo de eleição. Eleição é quando todas as forças políticas que disputam têm o mesmo acesso aos meios de comunicação. Quem quer se candidatar, se candidata. Quem perde, chora e se prepara até a próxima disputa.

Muito já foi dito e escrito sobre esse último processo. O que me chama atenção é a tara, pois não há outra palavra, que certos sedizentes de esquerda têm pelo regime da Venezuela.

Parece mesmo algo erótico que talvez nem o próprio Sigmund consiga explicar. Me lembro quando ainda orbitava em torno da esquerda Trotskista, que mais parece Stalinismo sorridente, de quase ter apanhado por chamar o regime daquele país pelo nome que ele merece: ditadura. "Emma, você precisa entender que..." Pronto! Vinham as justificativas.

"Ele resiste ao Imperialismo estadunidense". "Eles fizeram uma verdadeira revolução", "eles mudaram a vida do povo". Nada disso mudava a minha visão. Aí, claro, vinham os berros de "fascista". Pois somente uma fascista poderia ser contra a maravilhosa Revolução Bolivariana.

Está certo que grande parte da carestia do povo venezuelano deriva das sanções impostas contra o país. E sabemos que sanções punem o povo, e o faz apoiar o governo de turno, pois as pessoas sabem que sanções, justas ou não, são interferência externa.

Também nunca me desceu a pantomima de Juan Guaidó. Sim, parte considerável da oposição ao regime herdeiro do chavismo é abertamente neofascista. Mas não é porque a oposição é fascista que o regime maduro está. Aí entramos no terreno de que um lado justifica o outro.

Também entramos no meu principal problema com a esquerda revolucionária: em nome da santa e sagrada revolução, vale tudo. Em nome de libertar a classe operária e campesina de seus grilhões, podemos fazer qualquer coisa, por mais truculenta e violenta que seja. Esse discurso se iguala ao de um bigodudo nascido na Áustria que também achava que para o avanço da sagrada Germânia valia tudo.

Não. Não se vale tudo para absolutamente nada. O regime venezuelano se aproxima cada vez mais de uma distopia de ultradireita. Maduro é um truculento, machista, homofóbico. Seu regime tortura pessoas impiedosamente. E sim, pessoas que foram torturadas durante nossa última ditadura militar defendem um regime que tortura pessoas.

Além de tudo, Maduro também é um beligerante que tentou transformar a América do Sul em um tabuleiro de War. A questão envolvendo a região do Essequibo já estava resolvida havia décadas, mas o Nero de Caracas decidiu contestar isso, e já que ninguém deu bola, bom... A boa e velha anexação pelos meios militares, ao que Stálin talvez comentasse: "quantas divisões de blindados tem a Guiana?".

O que é completamente diferente da atitude do governo brasileiro com aquele país. Se política já é algo por demais complexo, imaginem política externa, que é se aprofundar nas complexidades dos outros. O Brasil não dita e nem deve ditar como cada país se comporta. Do mesmo jeito, os EUA apoiam o regime do sanguinário príncipe herdeiro da Arábia Saudita, aquele mesmo que pica e dissolve jornalistas de oposição. O mesmo que governa um país que apedreja mulheres até a morte por terem sido estupradas.

Relações internacionais devem levar em conta o puro interesse comercial. Eu vou num mercado comprar maçãs pois lá elas são mais baratas. Não estou com isso fazendo uma declaração romântica aos moldes de Goethe ao dono do mercado. Me interessa apenas que as maçãs estão mais baratas lá. Se ele cumpre ou não a lei, isso é problema dele com o Judiciário. Eu só quero comprar maçãs.

Já passou da hora de a esquerda radical e sectária do Brasil se atualizar e se desfazer dessa retórica gasta da Guerra Fria, se quer ser levada minimamente a sério e sair do seu ostracismo acadêmico. Ou talvez pseudo-acadêmico, dado que a ciência se faz com diálogo e debate justo de ideias, não tacando pedras e voando cadeiras... O que, infelizmente, é comum nos Congressos de alguns partidos.

Não precisamos de uma ditadura sanguinolenta para melhorar a vida de ninguém. O Brasil é um exemplo disso: mesmo com uma democracia que passou 4 anos sendo destruída, é dentro da democracia que as coisas estão melhorando, mesmo que mais devagar que o esperado. A democracia é falha, é devagar, mas não há outra saída.

E, não me importa de onde venha, e qual coloração tenha: ditadura nunca! "Deem um copo de sangue a este canibal. Ele está com sede".

O que você está lendo é [A tara de certa esquerda com Maduro].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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