Iemanjá nos ensina muito sobre a paciência do mar
O poder feminino dentro da lógica dos orixás é venerado e visto como uma força central e vital na estrutura do Universo. Nas religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, as orixás femininas são figuras de sabedoria, criação, proteção. Cuidam da casa, vão à guerra, trabalham. Dançam, experimentam prazeres e vivem grandes dissabores. Reúnem-se em sociedades secretas, como também decidem sobre os rumos da sociedade. São ancestrais complexas, que desafiam a lógica patriarcal sobre as mulheres.
Essas orixás desempenham papéis fundamentais na vida dos devotos e devotas, que as festejam para que fortaleçam nossa capacidade de sermos pessoas férteis, criativas, sensíveis, como também em agradecimento pela vida. Pois sem água nada existe e mal sobrevivemos se ficarmos um dia inteiro sem bebê-la. Então uma orixá que rege as águas só pode ser imensa. Para reverenciá-la, falaremos de Iemanjá, rainha dos mares e mãe de todas as cabeças.
No exercício de pensar o fenômeno natural para pensar a orixá, podemos destacar que o mar é vital para a regulação da temperatura climática do planeta, distribuindo calor e absorvendo gases poluentes que mitigam os efeitos das mudanças climáticas. O mar também é uma fonte de biodiversidade e tem ecossistemas que são essenciais para a saúde, tecnologia sustentável e renovação do planeta. Ele alimenta a humanidade, pois bilhões de pessoas vivem da pesca, como também possibilita que tantas façam dele um grande parceiro de trabalho, via turismo, transporte marítimo, pesca, comércio.
Suas ondas são melhores amigas de muitas crianças e adultos que se divertem em toda costa. E tem uma outra coisa sobre o mar que também é muito importante para pensarmos sua grandiosidade, isto é, suas funções terapêuticas. Um banho de mar renova nossas forças quase que instantaneamente. Além disso, o mar nos faz entender a dimensão do nosso tamanho: quem quiser ser gota, una-se ao mar, quem tentar enfrentá-lo, será engolido por suas ondas.
Um exemplo interessante para pensarmos no caso de Iemanjá, conhecida por ser a dona da casa e grande mãe de todos os orixás, ocorreu quando certa vez um filho seu ousou desafiar sua autoridade.
Ela o repreendeu, mas ele seguiu desafiando-a. A princípio, a orixá desdenhou da malcriação de seu filho marmanjo, fingindo que não estava vendo. Para seu próprio bem, era melhor ele ter parado por ali; ele teria sua atenção chamada em algum momento depois, mas sem grandes crises.
Mas a insistência no desafio começou a irritá-la. E Iemanjá, embora conhecida por sua natureza protetora, não tolerava desobediência em seu domínio. E ela não admitiria um filho que tratasse a casa da sua própria mãe e suas águas com desrespeito.
Ao passo que se irritava, Iemanjá passou a crescer, crescer e crescer. Em certo momento, suas ondas estavam furiosas e até o céu mudou de cor.
Ela confrontou o orixá com a força de um tsunami, mostrando-lhe que sua paciência tinha limites. Com sua autoridade, ela o colocou em seu devido lugar, mostrando ainda que, em sua casa, ela era a governante suprema. Sua ira fez o orixá quase se afogar, até que, desesperado, reconheceu seu erro e, a partir desse momento, ele passou a honrar e respeitar a posição de Iemanjá, que não teve mais sua autoridade desafiada.
Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres
Para além de mostrar a natureza diretiva de Iemanjá, penso que esse itã nos ensina muito sobre a paciência do mar, que pode ser testada até um certo ponto. A partir do momento em que o desrespeito com relação à sua morada passa a ser insuportável, sua fúria é absolutamente destrutiva, e o mar —tão bravo quanto velho— se coloca a varrer os desrespeitosos até que a harmonia seja reestabelecida.
Pensei nisso nesta última semana, quando vi a notícia de que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, emitiu um alerta. Amparado em uma série de pesquisas que atestam o aumento do nível do mar como consequência do derretimento das calotas polares, o secretário afirmou que uma catástrofe em escala mundial está em curso, com o desaparecimento de países inteiros e imensos impactos, inclusive no Brasil.
Evidentemente, o mar não suporta mais tanta ingerência e falta de responsabilidade dos humanos. Passou da hora de entendermos nosso tamanho.
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