Um je ne sais quoi pelas ruas de Paris

Eu tive certeza de que meu francês estava impecável quando consegui brigar com um motorista de táxi em Paris. Não que isso aconteça com frequência, mas com os habitantes da capital francesa a um passo do descontrole, é melhor eu deixar minha língua afiada.

Mesmo quem não tivesse ideia de que um dos eventos esportivos mais importantes do planeta estava prestes a acontecer, notaria recentemente uma atmosfera diferente pelas ruas parisienses. Não exatamente mais rabugenta. Talvez mais tensa.

Antes de tentar definir um pouco melhor essa atmosfera, misto de acolhimento e animosidade, saio em defesa de Paris.

Há coisas incríveis acontecendo aqui: a cidade está mais bonita (como se fosse possível), com os adereços olímpicos; nas calçadas, um frege saudável subiu o volume das conversas nos cafés; e há um clima de celebração contagiante.

É perfeitamente possível circular por seus "boulevards" e sentir isso. Mais: sentir-se privilegiado de estar em Paris numa festa como essa. Na véspera da tão aguardada cerimônia de abertura, então, com os atletas desfilando em barcos pelo rio Sena, a sensação é a de que os fogos de artifícios que brilharam no 14 de julho ainda não pararam de estourar.

Paris sempre foi uma cidade vaidosa, mas a essa altura parece razoável que cada pessoa que circule por ela acabe se banhando do mesmo sentimento como se ele ou ela, apenas pelo fato de estar lá, contribuísse para deixá-la mais bela.

Menos, claro, uma boa parte de seus moradores. Páginas já foram escritas sobre a desaprovação de alguns habitantes com o evento —uma reação, no mínimo, previsível. Eu morava no Rio de Janeiro em 2016 e me lembro bem das reclamações do carioca.

Circulação era a principal queixa na época, o carro-chefe também dos resmungos dos parisienses contrariados. Mas muitos não escondem ainda o simples desgosto de ver sua cidade 'invadida", seu sossego perturbado.

Enquanto frequentador assíduo da cidade, aprendi que os franceses em geral têm horror a barulho. Na Copa de 2014, durante um jogo da França, vi um amigo meu, na casa de quem eu assistia à partida, gritar pela janela, à rouquidão, com seu vizinho que reclamava da comemoração de um gol marcado por... "les bleus"!

A vitória aparentemente deve ser celebrada à voz baixa em Paris...

Nesse contexto, nem me incomodei quando, enquanto esperava por um sanduíche na rua Saint-Maur, um parisiense me perguntou rispidamente por que eu estava bloqueando a calçada. (Eu não estava). Considerei a grosseria como parte da cota de irritação a que os moradores da cidade têm direito nesses dias olímpicos...

Como quando uma senhora, acompanhada de um cachorro (parisiense também!) que cabia perfeitamente na sua bolsa Kelly, me viu atravessar a rua correndo e gritou algo que entendi como "mais vous êtes un connard, monsieur"!

Mal traduzindo: "Você é um idiota, senhor". E neste insulto está toda a beleza da empáfia parisiense. Ela pode até vir com uma mensagem negativa, mas é sempre com educação. O que me remete àquela briga com o taxista, quando então me orgulhei do meu francês.

Sou totalmente contra o estereótipo do parisiense "esquentado". Não só tenho bons amigos (franceses) na cidade, como sigo fazendo novas conexões mesmo nesta temporada turbulenta.

Mas se por um motivo inesperado, que aliás pode aparecer em qualquer cidade do mundo, um nativo resolver me enfrentar, quero deixar claro que estou pronto. Não para um embate sangrento, mas para terminar a discussão, seja ela sobre o que for, com um gentil "passe um bom dia, senhor".

O que você está lendo é [Um je ne sais quoi pelas ruas de Paris].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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