Bill Viola retratava toda a vertigem de um mundo que tenta se ver em foco

Um homem entra na sala escura, vazia, a não ser pela presença de um televisor e o reflexo de uma câmera no espelho. Ele se senta diante da lente, olhando nos nossos olhos, e grita até perder a voz. Depois é a imagem que se perde, quando ele enfia o dedo na fita que grava a própria performance, travando as engrenagens do registro em vídeo. Ele some num turbilhão branco, o quadro riscado, a TV fora do ar.

Bill Viola, um dos pioneiros da videoarte, morto na semana passada, sintetizou nesse autorretrato radical, um de seus primeiros trabalhos, os pilares de sua vasta obra audiovisual. O americano, como são Tomé incrédulo diante das chagas de Cristo, punha a mão na substância física que armazena a imagem, uma denúncia de sua concretude para além da luz que brilha na tela, das ondas sonoras que se perdem no espaço.

Em "Tape I", trabalho do início da década de 1970, Viola já deixava claro que o terreno onde pisa é o da imagem tão vaga e efêmera quanto pétrea, tal qual um afresco na parede de uma catedral.

Não são gratuitas as alusões à iconografia cristã nem as lembranças dos episódios que animaram os renascentistas também em busca, há cinco séculos, da carne da imagem. Viola foi um estudioso aplicado dessas composições antigas, entendendo como poucos a qualidade cinematográfica dessas pinturas que traduziam, como que num único fotograma, a violência de uma narrativa visceral, o nascimento e a morte da ação congelados numa tela estática capaz de construir uma sensação singular de movimento —o cinema antes do cinema, o vídeo antes do vídeo.

Em seus trabalhos mais antigos, a textura rudimentar da imagem em fita magnética, a baixa definição da tecnologia da época, ganha o primeiro plano. Viola parecia encantado com a natureza irreal do real, o mundo retratado com o hiperrealismo da câmera portátil que, no entanto, sumia diante dos olhos.

Era uma arte de ponta, construída na crista da onda de uma invenção que revolucionaria a fabricação de imagens, mas que em última instância, no exame mais de perto, com os dedos das mãos, não passava de um borrão. Viola retratava, no fundo, a vertigem de um mundo que tenta se enxergar em foco, mas todo esforço parece ser em vão.

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