É possível que Selic de dois dígitos passe a ser norma, diz economista-chefe do Citi Brasil

Estacionada hoje em 10,5% ao ano, a taxa básica de juros —Selic— em dois dígitos pode se tornar mais regra do que exceção no Brasil. Essa é a previsão do economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, diante de um cenário de expectativas de inflação acima do centro da meta de 3% perseguida pelo Banco Central.

Para o economista, está crescendo o risco de o Copom (Comitê de Política Monetária) voltar a subir os juros. Mas a alta da Selic, segundo ele, vai depender da postura do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na condução da política fiscal.

"Nada impede que o governo consiga reverter esse quadro. Tomara que dê sinais mais contundentes de compromisso com as metas que estão no arcabouço fiscal", diz Porto à Folha.

A falta de credibilidade plena do BC é também apontada por ele entre os componentes que dificultam a convergência das expectativas do mercado financeiro. Apesar da avaliação, acredita que a autoridade monetária pode resgatar aos poucos a confiança dos agentes, "agindo de forma responsável" durante o processo de transição da cúpula da instituição.

O Citi destoava do consenso do mercado no início do ano com a projeção da Selic parada em dois dígitos, cenário que se consolidou. Por quais fatores?
A gente tinha a visão de que a economia ia começar um processo de reaceleração depois de ter estagnado no segundo semestre do ano passado. O que se confirmou no primeiro trimestre e deve se confirmar nos próximos, ainda que o segundo trimestre vá ser prejudicado pelo efeito Rio Grande do Sul, mas é um efeito temporário.

Em paralelo, com o choque de preços de bens comercializáveis, a atividade reacelerando e a discussão em torno da mudança no "board" [direção] do Banco Central, tudo isso nos sugeria que a expectativa de inflação não ia cair mais, o risco era subir. Muita coisa foi alterada e, em geral, para o lado mais negativo. A gente teve que ajustar o "call" [projeção] de 10% para 10,5% e continuamos para sempre, tem um componente de médio e longo prazo.

Qual componente?
Provavelmente o juro real de equilíbrio no Brasil está acima de 5%, mais próximo de 5,5% por fatores globais e domésticos. Os juros americanos rodam nos patamares hoje pré-crise de 2008. Nos parece que estamos indo para um patamar de juro internacional mais alto por muito mais tempo.

Em paralelo, [temos] uma dinâmica fiscal hoje bem mais negativa do que era no pré-2008, onde a dívida era menor em nível e a gente gerava um superávit primário suficiente para colocar essa dívida cadente no tempo. Hoje, ela está em um patamar bem mais alto, na casa de 77% do PIB, com resultado primário negativo. A gente não vê muito espaço para o Banco Central cortar a taxa de juros em nenhum momento.

Isso significa o ano de 2025 inteiro?
O cenário base é esse. Com as condições que a gente tem hoje de juro real de equilíbrio e de expectativas de inflação acima do centro da meta, é possível que a Selic de dois dígitos passe a ser muito mais a norma do que a exceção.

Para o Banco Central colocar a taxa Selic em um dígito, a gente vai precisar ter eventualmente choques temporários, uma atividade econômica que sofre impacto recessivo e ter um processo de reancoragem das expectativas mais contundente, o que não está me parecendo o cenário mais provável, ainda que seja desejável.

A discussão é se a gente não vai ter que subir juros. O Banco Central deixa muito claro que está atento a esse tipo de risco, ainda que não seja o cenário mais provável.

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O presidente do BC disse que ruídos relativos às expectativas nos âmbitos fiscal e monetário levaram o Copom a interromper a queda de juros. Como vê a trajetória da política fiscal?
No final do mês de março, o câmbio estava em R$ 5. Hoje, está em R$ 5,50. Depreciou praticamente 10%. Em relação aos pares, a moeda brasileira foi a que pior performou. Vejo uma piora generalizada nos preços de ativos, não só câmbio, CDS, mercado de juros, mercado de ações. Quando vejo a performance dos ativos brasileiros vis-à-vis a dos pares, claramente tem um componente doméstico na piora. Uma série de eventos afetou a percepção das contas públicas de modo mais negativo.

O primeiro foi a alteração da meta de resultado primário para 2025 e 2026. Há uma piora na indicação do governo em relação ao processo de consolidação fiscal. O segundo foi uma tragédia inesperada, as enchentes no Rio Grande do Sul. O governo deve atuar para socorrer o estado, as famílias e as empresas, mas isso tem implicações fiscais. O terceiro foi a devolução da medida provisória que estabelecia um teto para o crédito tributário de PIS/Cofins. Por fim, a gente teve o presidente Lula sinalizando que não ia avançar na questão da desindexação das aposentadorias ao salário mínimo. Ou seja, mais uma redução no grau de flexibilidade da política fiscal.

Foram sucessivas [medidas] na mesma direção. Isso tem impacto sobre a política monetária em várias dimensões.

Quais dimensões?
A primeira é a dimensão dos preços de ativos. Essa depreciação do real tem um conteúdo inflacionário razoável, porque não está sendo compensada com queda de commodities. Tem outro componente via demanda agregada. Se a política fiscal está mais frouxa, a demanda vai crescer mais do que o esperado. Se a âncora fiscal fica mais frouxa, a âncora monetária vai ter que ser mais apertada para compensar, para gerar o mesmo resultado inflacionário.

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