Quase 30% dos restaurantes do iFood são dark kitchens, revela estudo
Julia Moióli
Agência FAPESP
23/05/2023 10h45
Para identificar e caracterizar as dark kitchens no aplicativo, a coleta de dados foi realizada em duas etapas. Na primeira, por meio de mineração de dados, foram obtidos nome, URL endereço e CNPJ (Cadastro Nacional de Empresas) de 22.520 restaurantes de três centros urbanos (Limeira, Campinas e São Paulo), bem como sua distância linear até o centro da cidade, tempo estimado de entrega, avaliação dos usuários, tipo de comida oferecida, possibilidade de agendamento de entregas e rastreamento da localização do pedido.
Na segunda, os primeiros mil estabelecimentos localizados a partir do centro de cada cidade foram classificados como dark kitchens (727, ou seja, 27,1%), ✅'standard' ou restaurantes-padrão (1.749 ou 65,2%) ou indefinidos (206 ou 7,7%), sobre os quais não foram obtidas informações suficientes ou cujos endereços apontavam para lugares inexistentes, como terrenos. Na capital, o número de dark kitchens é ainda mais alto: 35,4%.
Diogo Thimoteo da Cunha, professor do curso de nutrição, pesquisador do Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde (LabMAS) da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp (FAC-Unicamp) e coordenador da pesquisa. "Tanto que precisamos realizar também um trabalho investigativo, buscando informações em redes sociais e no Google Street View, telefonando e enviando mensagens e até visitando lugares para observar fachadas.""Também pudemos constatar que, nas três cidades, as dark kitchens ficam mais distantes das regiões centrais, o que barateia custos de produção e leva a preços mais baixos, diferentemente de um restaurante bem localizado, que precisa investir em fachada e outros serviços", completa Mariana Piton Hakim, pesquisadora do LabMAS e primeira autora do trabalho. "Por outro lado, em São Paulo, observamos que os restaurantes convencionais apresentavam número de estrelas [avaliação de usuários] superior, além de contarem com mais avaliações nas três cidades, o que pode estar relacionado ao menor volume de venda das dark kitchens e ao fato de que restaurantes convencionais geralmente são mais conhecidos."
financiada pela FAPESP, foram os tipos de comida mais servidos pelas dark kitchens (na capital, culinária brasileira, em 30,3% dos casos; enquanto nas cidades menores, lanches e sobremesas, em 34,7% dos casos) e seus modelos de organização: independente (cozinhas alugadas por uma marca exclusivamente para uso próprio, podendo ou não ter fachada); 'shell' ou 'hub' (compartilhada por mais de uma cozinha/restaurante); franquia (com mais de um ponto de venda, redes sociais bem estabelecidas e podendo estar presente em diferentes cidades); cozinha virtual em um restaurante-padrão com menu diferente (instalada no mesmo endereço de um restaurante físico, mas com nome e serviço diferentes); cozinha virtual em um restaurante-padrão com menu semelhante, mas nome diferente (montada no mesmo endereço de um restaurante físico, com mesmo tipo de cardápio, mas com nome diferente); e doméstica (localizadas em prédios residenciais ou casas).💥️Percepção do consumidor e questões sanitárias
Embora as dark kitchens apareçam com frequência nos noticiários pelas brigas com vizinhos por conta do barulho, mau cheiro e trânsito de motoqueiros em suas redondezas residenciais, os pesquisadores levantam ainda outra questão a ser esclarecida: suas condições higiênico-sanitárias.
"Percebemos que esse modelo de restaurante parece estar às margens das legislações - não porque seja ilegal em si, mas porque ninguém nunca se debruçou para entender direito como o setor funciona e como pode ser aprimorado", diz Cunha. "Não queremos dificultar seu trabalho, inclusive porque sabemos que traz recursos e é uma tendência que veio pra ficar, mas entender seu impacto na economia e também viabilizá-lo de forma legal para que possa ser acessado adequadamente pela vigilância sanitária, que hoje tem dificuldades em fiscalizar cozinhas domésticas, fortalecendo o setor e trazendo proteção ao consumidor."
estudo anterior do grupo, divulgado na revista Food Research International.Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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