Bajulação, denúncias e frenesi: "fim" do Noma resgata polêmicas e críticas
post em seu perfil do Instagram que o chef Dan Giusti resumiu tudo: "Eu recebi mais pedidos de entrevista hoje, por conta do fechamento do Noma, do que todo o ano passado sobre o Brigaid, o trabalho que nós fazemos alocando chefs em escolas públicas, lares de idosos e prisões".
Giusti foi por anos um dos cozinheiros de frente do famoso restaurante dinamarquês, eleito por cinco vezes o melhor do mundo na influente lista dos 50 Best, que anunciou no começo dessa semana que vai fechar as portas em 2024.
É claro: não há outro restaurante no mundo hoje tão influente quanto o Noma, que colocou a culinária nórdica nos holofotes da alta cozinha e determinou muito do que foi servido em menus por todos os continentes nos últimos anos (dos fermentados às PANCs, as plantas alimentícias não-convencionais).
Por isso, o anúncio causou tanto frenesi. Saiu em todos os jornais globais: "The New York Times" (que foi o primeiro a informar), "Guardian", "The Washington Post", "El País", "Le Monde". Poucas notícias da gastronomia renderam tanto interesse nos últimos anos.
O anúncio foi meticulosamente orquestrado nas redes sociais de Redzepi e do restaurante para criar a maior repercussão possível (aliado à reportagem potente no "Times", claro, que também teve direito a um texto extra de crítico gastronômico do jornal).
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por noma (@nomacph)
Deu certo: até hoje, o assunto segue quente nos meios de comunicação e nas redes sociais: as seções de opiniões, posts acalentamos, tuítes. Ainda que, para o azar do marketing do Noma, nem tão positivos assim.
💥️Fechado? Não era bem isso
A primeira reação negativa diz respeito à estratégia de comunicar o fechamento de um restaurante quase dois anos antes dele acontecer — o Noma segue em seu formato atual até o final de 2024.
"Tanta coisa acontecendo no mundo da gastronomia e o NYT escala dois jornalistas — seu crítico e uma repórter sênior — para cobrir o fechamento do Noma dois anos a partir de agora? E nós questionamos por que o bajulamento de chefs ainda existe?", publicou no Twitter o perfil The Restaurant Manifesto.
✅Acho que tem muita propaganda no anúncio. É também uma forma de aumentar a procura pelas reservas nos próximos anos: 'se o Noma vai fechar, melhor eu conseguir um lugar'", diz o chef português Vasco Coelho Santos, do Euskalduna Studio.
💥️"Insustentável"
Ainda que o restaurante tenha estado aberto assim por duas décadas — muitas das quais contratando dezenas de estagiários não-remunerados para trabalhar ali, algo que só mudou no ano passado, quando toda a equipe passou a ser paga.
"Se um restaurante onde uma refeição para dois custa mais de US$ 900 (sem contar com a harmonização de sumos) não consegue pagar 100% de seus funcionários decentemente, então ele simplesmente não deveria existir. E isso não é nenhuma tragédia", tuitou o podcaster e youtuber americano Mike Rugnetta.
💥️Genial ou monstruoso?
Em entrevistas que tem dado há alguns meses, o chef tem falado sobre essa relação com o staff: ao receber o prêmio de melhor restaurante do mundo em 2023, disse no palco que o Noma não era o melhor do mundo, "mas o restaurante com a melhor equipe do mundo".
As críticas mais duras que inundaram a internet vêm nesse sentido: uma ex-colaboradora do Noma, Lisa Lind Dunbar, (@lisalinddunbar), transformou seu perfil no Instagram em uma metralhadora às práticas do restaurante e de René: as críticas já são publicadas há meses, mas se intensificaram nesta semana.
Mas Durban critica até mesmo o tom benemerente que a reportagem tratou alguns casos de maus tratos ao pessoal: em uma foto postada, mostra uma falsa capa em que abaixo do logo do jornal a manchete diz "Nós faremos tudo o que Redzepi nos disser".
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por LISA LIND DUNBAR (@lisalinddunbar)
No mesmo tom, o cozinheiro Eric Rivera faz a artilharia em outra rede, o Twitter. Entre alguns de seus tuítes, diz que "Redzepi sabia que estava explorando pessoas, gozou do sucesso que isso trouxe, ganhou investidores e em nenhum momento priorizou pagá-las de forma justa".
Ou que ele "mentiu sobre os valores que o restaurante ganhava" justamente para justificar o fato de não pagar a equipe e que os estagiários "eram informados para ficarem em silêncio" e "proibidos de rir".
Outros chefs, muitos deles amigos de Redzepi, saíram em sua defesa, como o também apresentador e dono de um império de restaurantes nos EUA, David Chang. Para ele, o Noma foi um desses "restaurantes iconoclastas que a cada 20 anos muda a alta cozinha para sempre".
A ver como serão os próximos anos, quando o restaurante estiver "fechado".
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