Observações sobre o sentimento do belo e do sublime

Cataratas do Iguaçu Cataratas do Iguaçu Imagem: Charlesjsharp/Creative Commons

Duvidava que ainda fosse possível perceber a beleza em meio à multidão, acotovelado aos demais turistas. A circunstância turística tudo banaliza, tudo submete à lógica do consumo, da absorção irrefletida. Vi ao longe as cataratas e elas pouco se distinguiram de seu cartão postal, paisagem estática, esplendor imóvel, natureza cativa. Era quase o mesmo, quase, vê-las encravadas nas montanhas do horizonte ou refletidas nas telas sempre idênticas dos celulares ao redor. Não parecem tudo isso que dizem, apressou-se em estimar minha companheira, livrando-se rápido da tarefa primordial do turista, a de ver e emitir juízo.

Mas lentamente, no ritmo dos passos alheios, fomos nos aproximando daquele cenário de aparência farsesca e tudo foi se mostrando bem mais verdadeiro, mais vivo. Está cheio o rio Iguaçu por estes dias, carregado de águas inquietas, bravias, águas de chuvas violentas. À medida que passamos a ouvir o rumor do rio, e a sentir sua neblina a refrescar, a molhar e logo a encharcar roupas e pele, fomos intuindo que aquele não seria um acontecimento menor, perecível como outros passeios. Sobre a vibração da plataforma de madeira e aço, em plena garganta do diabo, era como se o movimento humano cessasse e só restasse a força indomável do rio, suas ondas cintilantes, sua fluida turbulência, tudo sob o halo de um arco-íris que quase completava seu círculo, impossivelmente.

Tenho alguma vergonha de descrever algo tão grandioso, contrário à simplicidade desejável às crônicas. Alguma vergonha também da obviedade de elogiar um dos pontos turísticos mais visitados do planeta, destino de tantos tecnológicos peregrinos. Mas escrevo por um mísero senso de justiça, para chamar de belo o belo, de terrível o terrível, para contar o que vi. E o que vi não vi sozinho, vibrava também nos corpos dos outros, e sobretudo se refletia nos olhos da minha companheira, olhos que outras vezes flagrei agitados como as águas, turbulentos como as águas, coléricos. No agito das águas sobre seus olhos algo nela se encantava, contrário ao seu anterior juízo, e algo nela sossegava, arrefecia — eis um dos poderes da beleza.

O que você está lendo é [Observações sobre o sentimento do belo e do sublime].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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