O último personagem simples: o homem convertido em sua caricatura

Masculinidade está em crise Masculinidade está em crise Imagem: Getty Images

Ora um sujeito brutal, ignorante, empenhado na defesa violenta de seus privilégios. Ora alguém desnorteado, a oscilar entre a confusão e a paralisia, incapaz de lidar com as transformações de seu tempo. Eis o homem, eis a indubitável crise da masculinidade. Ninguém de mente sã negará que se trata de uma crise efetiva, sobretudo aquela que acomete o homem branco, hétero, cis, essa figura que por milênios se dedicou a perseguir os outros e subjugá-los aos seus domínios. Mas às vezes me vejo a lamentar a pobreza de descrições que isso cria, a falta de complexidade com que se trata a categoria homem, o excesso de certezas, um certo esquematismo. A impossibilidade que surge em ficções e discursos públicos de ir além de uma caricatura. Talvez estejamos diante do último personagem simples.

Não é coincidência que isso aconteça numa época em que começamos a nos livrar de outros estereótipos, em que, nos meios mais pensantes, já provoca grande desconforto um retrato caricato das mulheres, dos negros, dos gays, das pessoas trans, e aqui a enumeração exige um largo etcétera. Durante milênios esses perfis foram amplamente distorcidos, satirizados, vilipendiados pelas palavras, durante milênios se viram também silenciados, e é natural que encontrem agora sua hora da desforra. Não há nada de injusto nisso, e nem deveria suscitar revolta. Mas pode provocar estranhamento, sim, num tempo de pensamento complexo e tentativa de compreensão das diversidades, a redução do outro a um retrato sumário e frágil.

Esse sujeito que um dia se quis o representante maior de todos os demais, esse sujeito tão equivocado que acreditava viver os dramas universais, que pensava ser o expoente dos ímpetos e das quimeras de toda a humanidade, esse sujeito agora se vê relegado à sua ignorância e seu patetismo. A queda dos universais permitiu a toda uma cultura enxergar o que lhe escapava, ver que as identidades são sempre mais indecifráveis, entender o risco e a violência que há em nomear o outro e querê-lo condizente com tais palavras inexatas. A contrapartida tem sido, porém, uma leitura por vezes banal do algoz dessa história, sobre o qual recaem agora todos os traços vilanescos que alguém imaginaria esgotados.

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