ECA 33 anos depois: o problema é que criança não vota

O problema é que criança não vota. E, quando o cobertor é curto, quem não vota passa frio. Construir viaduto dá mais voto que aprimorar o sistema de assistência social, aumentar o salário de professoras/es, ou fomentar atividades culturais e esportivas para a molecada. Durante a campanha eleitoral, o que não falta é postulante ao cargo posando para foto com criança no colo e prometendo que vai cumprir a lei. Ao longo desses 33 anos, uma idade bíblica, o ECA já viu muito candidato beijar-lhe a face, para o trair assim que toma posse.

"Vida", por exemplo, é o primeiro dos direitos de que trata o ECA. E é um direito que está "acima" dos demais. Mas, no Estado de São Paulo, 3457 crianças e adolescentes foram mortos entre 2015 e 2023. Desses, 1.335, foram mortos pela polícia. E 77% das pessoas de até 14 anos mortas pela polícia eram negras, num Estado em que 34,8% da população é negra. O desrespeito atinge não só o aniversariante, como um de seus convidados de honra, o Estatuto da Igualdade Racial.

"Saúde" e " Alimentação" também são direitos previstos no ECA. Ele fala sozinho. Em 2023 havia no Brasil 13,7 milhões de crianças e adolescentes privados de alimentação adequada, dos quais 8,2 milhões viviam abaixo da linha da extrema pobreza. Das residências com crianças de até 10 anos, 37,8% apresentaram situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Entre janeiro e novembro de 2022, 4.135 crianças de até 5 anos foram internadas por desnutrição. Ainda faltava dezembro e já era o maior número da série histórica, iniciada em 2012. O Marco Legal da Primeira Infância nem bem chegou à festa e já foi tão mal recebido.

Lembra da "absoluta prioridade"? Então. "Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias" é uma de suas vertentes. E, desde que nasceu, o ECA estipula que crianças e adolescentes têm direito à dignidade e devem receber "proteção integral". Mas, só na cidade de São Paulo, 3759 estão em situação de rua, aumento de 91,2% desde 2007. E 78,3% são pessoas negras, embora a população paulistana negra seja de cerca de 37%.

Centenas dessas crianças dormem na rua diariamente, apesar de a cidade ter 588.978 imóveis desocupados. Desocupados, mesmo. Nem como moradia sazonal servem. São 156 imóveis desocupados para cada criança em situação de rua. O Estatuto da Cidade, outro convidado de honra, também se vê diminuído.

A ideia não é azedar o bolo, mas há no país 1,8 milhão de crianças em situação de trabalho infantil, com 706 mil submetidas a suas formas mais graves, como tráfico de drogas e exploração sexual.

E cultura? Segundo o ECA, direito de todas as crianças. Quantas são as políticas públicas para fazer com que a molecada da quebrada realmente frequente espaços culturais? Não é ir uma vez na vida. É fazer disso um hábito, com as mais diversas expressões artísticas. Entender que é direito, não luxo. Quantas?

Se falarmos do direito à educação, capaz de desligarem o som, apagarem a luz e mandarem todo mundo embora da festa. Aliás, quer dar um presente para o ECA? Quando estiver ali, cara a cara com a urna, vote como se fosse criança.

*Iberê Dias, juiz titular da Vara da Infância e da Juventude Protetiva de Guarulhos.

*Andrea Lins dos Santos, assistente da Vara da Infância e da Juventude Protetiva de Guarulhos.

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