Amar um lugar: sobre o forte apego que podemos sentir por um espaço

É possível sentir, sim, a mais forte afeição por um espaço É possível sentir, sim, a mais forte afeição por um espaço Imagem: via inteligência artificial

É possível amar uma casa, amar umas quantas paredes e o aparente vazio que elas encerram. Costuma-se tomar por imprecisas ou metafóricas declarações superlativas como "amo este lugar", "amo esta rua", "amo esta cidade", mas o caso é que se pode sentir, sim, a mais forte afeição por um espaço. Sobretudo pelo espaço de uma intimidade ou de uma história particular, por aquele que julgamos próprio, por aquele que ocupamos longamente com o nosso corpo. Aquele que se confunde com o nosso corpo e ao mesmo tempo o excede, o extrapola para além de nós. "Porque a casa é o nosso canto do mundo", quem diz é Gaston Bachelard, "o nosso primeiro universo", "um verdadeiro cosmos".

Se o assunto é o amor por uma casa, eu teria que falar da casa da minha infância, de seus jardins desregrados em que tudo crescia mesmo quando nada era plantado, de sua sala de vidro que esbanjava céu e cidade, de sua mesa de jantar cenário de diálogos reais e literários, de seus quartos carregados de uma história longa e indevassável. Não sei por que uso os verbos no passado se a casa ainda está lá, se ainda abriga a minha mãe em seus cômodos largos demais. O amor pela casa ali se confunde com o amor pela mãe, isso está claro, duas afeições extremadas que nossa família não tem o hábito de declarar. Certas profundezas às vezes é melhor deixar inexploradas, sinto, e talvez por isso adie escrever a história daquele espaço. "A casa primordial e oniricamente definitiva deve guardar sua penumbra", Bachelard sabe bem explicar.

Segue em sua poética do espaço: "Se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da casa, diríamos: a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz." Se eu saí daquela casa, vinte anos atrás, não foi porque ela deixasse de abrigar os sinuosos caminhos de um imaginário particular, ou porque não restasse sonho ali a sonhar, mas porque me era desejável construir um sonho a dois. Para isso valia inventar a história de um espaço novo, e assim fui morar com a minha companheira num apartamento apertado, de janelas módicas, sem céu nem cidade à mostra, mas muito próprio para voos interiores. Das relações que ficaram para trás convém desconfiar: não sei se cheguei a amar aquele apartamento, ou se amei o amor que ali pudemos inaugurar, e que até hoje experimentamos.

O que você está lendo é [Amar um lugar: sobre o forte apego que podemos sentir por um espaço].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...