Quando o bar da esquina vira um mercado chocho

Escavadeiras e tratores invadem a cidade e desmontam a cada abocanhada a familiaridade com que nos unimos uma vez à cidade. São Paulo, assim como outras metrópoles, pode e deve se adensar, mas isso precisaria acontecer de modo inclusivo, cuidadoso, respeitoso com as características de cada região. Prédios são levantados em nome, ao que parece, apenas das grandes empreiteiras no lugar das casas e dos pequenos estabelecimentos que havia. O que atraía as pessoas aos bairros paradoxalmente deixa de existir para que elas cheguem, não há mais o rosto para o qual quem vinha se punha a olhar. O que é uma cidade? No que ela se transforma quando o bar da esquina, o açougue do Luciano, a vendinha do Itiro viram mercados chochos e amarelados que se multiplicam como praga, oferecendo-nos produtos industrializados e a sensação de que poderíamos estar tanto em Pinheiros quanto na Vila Sônia, tanto no Bixiga quanto na Freguesia do Ó?

Passei semana retrasada por um desses estabelecimentos, construído onde antes havia uma padaria. Não era uma padaria qualquer: ficava aberta 24 horas e havia sido palco de noitadas, histórias, alegrias desmedidas. Era um lugar para se ficar. Agora, não: nossos cantos estão se transformando em lugares de passagem, sempre iguais, com os quais é mais difícil de estabelecer uma relação de afeto.

Comprar, sair, seguir caminhando por uma rua que já não é minha, já não é de ninguém, muito menos de quem deveria sustentar o sentido dessas mudanças (faz sentido construir prédios perto dos metrôs para que as pessoas morem mais perto dos seus trabalhos, mas se tudo fica caro e impossível e tomado por gringos que alugam os AirBnbs nos quais se hospedam para visitar a cidade que já não existe, esse sentido se perde).

Adeus, Mercearia São Pedro, adeus, anexo do espaço Itaú, adeus, restaurante da esquina, adeus, esquinas. São Paulo: a cidade das despedidas.

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