Patroa me mandava ir à Paulista bater panela, diz deputada
Rute Pina
De Universa, em São Paulo
Em 27 de abril, data que marca o Dia da Empregada Doméstica, lançou a Frente Parlamentar pela Valorização do Trabalho Doméstico e de Cuidado. O objetivo é evitar que trabalhadoras domésticas passem por situações como a que enfrentou no passado. Em 2003, os patrões viajaram e deixaram Ediane trancada em casa, por dois dias. Esqueceram que ela estava lá. "A impressão é que viramos parte da mobília", diz.
Também comecei a estudar nessa época, pelo Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, criado pelo governo federal em 2011]. Senti um incômodo dos patrões quando comecei a ganhar consciência e querer lutar por melhores condições de vida.
💥️Como esses incômodos se manifestaram?
Por exemplo: precisei assinar um documento que dizia que se eu sofresse um acidente fora dos meus dias e horário de trabalho — segunda, quarta e sexta —, eu não teria assistência.
Um dia, o feriado caiu exatamente no dia que eu trabalhava e a patroa perguntou: "Tem como você vir terça ou quinta?". Respondi: "Lembra aquele documento que assinei? Se eu sofrer um acidente, não é meu dia de trabalho; então, não venho".
💥️Como começou a se interessar pela política?
Sempre questionei a dinâmica da cidade. Quem é do Norte ou Nordeste -- ou de cidade pequena -- pertence a um espaço. Você é alguém, tem uma identidade. Ao chegar a São Paulo, eu não pertencia a um espaço, era empregada de alguém. Isso sempre me incomodou.
O lugar que tive para morar e criar meus filhos era emprestado: o fundo da casa da minha ex-sogra. Quando entrei na luta por moradia, ainda não tinha essa consciência política. Mas achava um absurdo não conseguir ter uma casa, por mais que eu trabalhasse. Entrei no MTST na ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo — a maior ocupação da América Latina — porque queria uma casa para meus filhos, não só um teto.
💥️A senhora sentiu tratamento diferente dos patrões depois que começou a participar de movimentos sociais?
Quando entrei no movimento, fiquei empolgada, falava no trabalho sobre isso. Meus patrões conheciam o movimento. Me disseram que os integrantes eram invasores. A visão que eles tinham de mim mudou totalmente. Comecei a debater com eles e não me convencer com discursos vazios. Também passei por um processo de transformação.
💥️Em que sentido?
Comecei a perceber meu bairro, notei que não tinha uma creche em horário integral para meus filhos. Comecei a ver que o posto de saúde era longe, que a Delegacia da Mulher estava no centro, totalmente inacessível para nós.
💥️Quais são os principais projetos da senhora na Alesp?
A Frente Parlamentar pela Valorização do Trabalho Doméstico e de Cuidado é uma pauta fundamental. Queremos fazer um censo para entender como estamos. Mesmo com a PEC das Domésticas, 3 a cada 4 trabalhadoras continuam na informalidade.
A deputada Ediane Maria (PSOL-SP) vai coordenar a Frente Parlamentar pela Valorização do Trabalho Doméstico e de Cuidado
Também criei um PL (projeto de lei) para criar a Casa da Doméstica, um ponto de acolhimento para as mulheres que trabalham como domésticas.
💥️Hoje, quais são as principais demandas das trabalhadoras domésticas?
Ainda existe muita informalidade. Várias de nós não conseguimos nos aposentar por tempo de trabalho. Também está em curso um processo de uberização, com as plataformas [de recrutamento de trabalhadoras domésticas por aplicativo], que precariza ainda mais o trabalho.
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