Escritora escapa de marido violento indo morar num porão

A escritora e radialista Silvana Coelho, 55, passou 10 anos sofrendo nas mãos de um marido violento - Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para Universa

Nascida e criada em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, a infância de Silvana foi tranquila. Do pai, descendente de alemães, recebeu uma educação rigorosa, que era equilibrada com a meiguice da mãe, segundo o relato que concedeu a 💥️Universa, onde contou um pouco de sua história, que mistura sofrimento e esperança.

"Minha infância foi muito feliz. Eu era a caçula de três filhos e era chamada de 'Poliana' na escola [em referência ao livro escrito por Eleonor H. Porter], porque sempre encarava tudo com muito otimismo. Me formei no magistério e comecei a dar aulas para crianças.

Meu sonho era me casar com um homem carinhoso, trabalhar e ter filhos. Eu queria uma 'família Doriana', como as pessoas costumam dizer sobre os casamentos ideais. Aos 18, conheci um rapaz que se parecia com o que eu idealizava. Educado, gentil, 10 anos mais velho que eu. Apesar de a minha mãe me alertar que havia algo errado com ele, namoramos um ano e meio e nos casamos, meio que contra a vontade dela. Eu tinha 20 anos.

A escritora, no dia de seu casamento, aos 20 anos de idade - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Óleo fervente

Quando a coisa chegou a esse ponto, tudo se tornou lugar-comum. Eu já não sentia mais nenhuma dor emocional, passei a me comportar de maneira fria. Uma noite, quando eu já tinha 28 anos, ele me pediu para fritar mandioca para ele. Descontrolado, ele chegou perto do fogão e me empurrou, gritando que a mandioca estava estragada.

Depois pegou a frigideira e arremessou o óleo fervente na minha direção. Eu me abaixei para proteger o nosso cachorro, um filhote de poodle, e o óleo bateu e escorreu na parede da cozinha. Era para ter acertado no meu rosto. Foi nesse momento que caí em mim, vendo que eu só tinha escapado de ficar cega ou algo pior para salvar o cãozinho. Naquele momento eu percebi como minha autoestima estava arruinada.

Naquela noite não dormi. Fiquei trancada no quarto com o meu cachorro, ouvindo na mente aquela música do Ivan Lins: 'Começar de Novo'. Daí, me decidi. Não podia mais viver daquela forma. Escrevi uma carta para Deus, pedindo por um sinal. Durante um mês e meio, sem ele saber, me preparei para escapar. Escondi algumas roupas e um colchonete embaixo da cama e, num dia em que ele não estava em casa, chamei um táxi e fugi.

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Morando no porão

Fui morar no porão de uma casa, com o meu cachorro. Era o que o meu dinheiro dava para pagar. Eu tinha 30 anos. Nessa época, eu já focava o meu trabalho em grupos de terceira idade. Eu me identificava com a solidão dos idosos. Na época não havia celular, então, imprimi folhetos oferecendo pacotes e, como telefone de contato, colocava o número de um orelhão que recebia chamadas em frente à casa.

Eu colocava uma cadeira na porta e, toda vez que o telefone público tocava, eu corria para atender, como se estivesse atendendo em um escritório: Silvana turismo e eventos, boa tarde! O negócio deu certo, comecei a me tornar conhecida. Fui chamada para presidir o Fundo do Idoso de Petrópolis. Participei como convidada da CPI dos Asilos e isso me trouxe projeção.

Silvana, em frente ao porão onde encontrou refúgio das agressões e reconstruiu sua vida - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal Silvana, à esquerda, na rádio e, à direita, apresentando o seu programa na TV local - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Silvana, à esquerda, na rádio e, à direita, apresentando o seu programa na TV local

A partir daí, eu passei a sentir um alívio muito grande. Aquele problema, aquela sombra do passado, havia literalmente deixado de existir. Hoje escrevo livros, dou palestras sobre abuso familiar para ajudar outras mulheres que, como eu, se viram envolvidas em relacionamentos abusivos e violentos.

Acho que a gente acaba ficando num relacionamento assim porque, além do medo que vem com as ameaças constantes, a gente tem esperança de que a situação pode mudar. Já ouvi muitos comentários me chamando de 'mulher de malandro'. Isso é muito cruel e resume de forma vil o drama de quem vive a violência doméstica.

O isolamento da pandemia me ajudou a refletir sobre o embate que havia dentro de mim, entre a Silvana ingênua, menina, e a Silvana mulher. Eu, já madura, culpava minha versão jovem por ter se permitido viver daquela forma. Mas agora ela está perdoada. Tenho orgulho de quem ela se tornou".

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