Quilombolas enfrentam pressão imobiliária e se mobilizam por terras na Bahia

Bambuzais formam uma espécie de túnel na estrada que dá acesso ao quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador. Ruas de terra serpenteiam a comunidade, cercada por áreas remanescentes de mata atlântica e onde vivem em torno de 5.000 pessoas.

No entorno das casas, tratores trabalham desde as primeiras horas da manhã na terraplanagem e na supressão da vegetação nativa para a construção de um condomínio residencial.

Certificado pela Fundação Palmares desde 2013, o quilombo Quingoma é um pedaço de terra cercado de pressões por todos os lados. Enquanto aguarda pela titulação, os moradores veem as construções avançarem sobre o território, que fica em uma cobiçada área de expansão urbana da Grande Salvador.

"As políticas públicas não chegam e ainda temos que enfrentar diversas formas de violência. A sensação é que a gente está lutando contra um leão", desabafa Rejane Rodrigues, 39, líder da comunidade quilombola.

A comunidade luta pela titulação do território desde 2005. A primeira conquista veio há 11 anos, com a certificação da Fundação Palmares. Mas o processo de oficialização de posse da terra ainda não chegou: está paralisado e não há horizonte para um desfecho.

A titulação do território, de responsabilidade do governo federal, é a etapa final de reconhecimento de uma comunidade quilombola. Cerca de 1.800 processos de regularização quilombola tramitam na esfera federal —além de garantir o usufruto exclusivo das terras, permite a reprodução do modo de vida das populações remanescentes de quilombos.

"A titulação é a garantia da segurança da posse para as presentes e futuras gerações. Para tanto, deve ser priorizado orçamento para as desapropriações de eventuais títulos de propriedade privada legítimos e a retirada pela desintrusão dos ocupantes não quilombolas", diz a advogada Patricia Menezes, do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.

A origem da comunidade Quingoma remonta a 1569, com a presença de povos bantus após o início do tráfico negreiro para o Brasil. Ao longo dos séculos, sobreviveram na comunidade tradições ancestrais ligadas à cultura, costumes, modo de vida e religiosidade afro-brasileira.

Em março de 2023, o quilombo se tornou o primeiro lugar no Brasil a receber a certificação de território iorubá, honraria concedida por Ooni Ilê Ifé, o rei de Ifé, cidade na Nigéria.

Vivem no local famílias que dependem sobretudo da agricultura de subsistência, extrativismo e coleta de materiais recicláveis. Mas o Quingoma é considerado um quilombo urbano.

O processo de urbanização que toma conta da região seria uma das dificuldades técnicas apontadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para a conclusão do processo. Em nota, o órgão afirmou que busca uma solução fundiária para a titulação e classifica o caso como singular por conta da ocupação de empreendimentos públicos e privados no território.

Parte das construções foi feita após a certificação do território, em 2013. Exemplo disso é a Via Metropolitana, rodovia de 11 quilômetros construída pelo Governo da Bahia para ser uma rota alternativa para o litoral norte, contornando a região central de Lauro de Freitas.

A estrada foi inaugurada em 2018, na gestão do então governador Rui Costa (PT) —hoje ministro da Casa Civil do governo Lula (PT). A rodovia divide em duas partes a área de 1.225 hectares que consta no Relatório Técnico de Identificação e Demarcação, que identifica os limites e características do território quilombola.

No ano anterior, o governo baiano apresentou nova proposta de delimitação para o Quingoma com uma área de 284 hectares. Isso equivale a cerca de um quinto do tamanho do território pleiteado pela comunidade.

Enquanto o impasse permanece, novas construções avançam sobre as áreas que não constam na proposta feita pelo governo baiano. Uma delas é o Loteamento Joanes Parque, da MAC Empreendimentos, que prevê 631 lotes residenciais.

A construção, que fica nas margens da Via Metropolitana, já foi iniciada. Máquinas fazem o desmatamento de áreas verdes e abrem novas vias na área do loteamento.

Famílias que moram no entorno dizem temer o impacto da obra na comunidade: "Estou aqui na mão de Deus, não tenho condições de ir para outro canto", afirma a moradora Priscila Pereira Costa, 41, enquanto observa o vaivém de tratores.

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