Autora angolana, em belo romance, narra a opressão aos imigrantes em Portugal

Um jovem negro sai com os amigos para divertir-se. No meio do caminho, vão abastecer o carro em um posto de gasolina. Entre os jovens, nada de anormal, pelo contrário, o estado é de festa e confraternização. No entanto, do nada, são atacados por homens armados —denominados por eles de "skinheads"—, que os xingam e agridem, e aos berros, dizem: "Pretos, voltam para vossa terra", como se não fossem dela, nascidos e criados.

Sem defesa, restam-lhes os hematomas e a humilhação. Resolvem então chamar a polícia. Os policiais chegam e ouvem os jovens, os funcionários do posto de abastecimento e as moças que os acionam. Aos jovens negros, fazem muitas perguntas, sempre com palavras duras, tratando-os, não como as vítimas, mas os suspeitos. Mesmo com a dor e o sangue a escorrer da boca, os policiais impõem a ida de todos para a delegacia —mas algemados.

Na cena seguinte, já com o dia claro, deixaram a delegacia. Ao cruzarem a porta, entra, esbarrando neles, um dos agressores, que é tratado como agente Lopes. "O filho da puta dos skinheads é policial", constatam. Na volta para casa, com a cabeça com "vida diferente do corpo", o jovem agredido só "queria vomitar". E ainda diz: "Quis gritar, partir tudo. Limitei-me a ficar horas e horas sentado na minha cama. Sono nenhum."

Este é o trecho do belíssimo "Um Preto Muito Português" (Quetzal), romance de estreia de Telma Tvon —nascida Telma Marlise Escórcio da Silva—, autora angolana, radicada em Lisboa, onde mora desde a juventude.

A história, narrada em primeira pessoa pelo jovem João Moreira Tavares, conhecido como Budjurra —alcunha para cabo-verdiano, assim como angolano é "mangope", moçambicano é "moçambas" e guineeses é "guitarra"—, tem reflexos bastante próximos de um país como o nosso, o Brasil.
Vivendo na periferia da cidade lusitana onde nasceu, filho de país cabo-verdianos, com irmãos igualmente portugueses, Sandra e Carlos, Budjurra narra as suas aventuras e sagas, o seu dia a dia na luta pela subsistência, trabalhando feito operário de quinta categoria em um call center, mesmo depois de licenciado numa universidade.

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Na prática, Budjurra faz parte de uma minoria que, aos poucos, "vai sendo cada vez menos minoria." Como descendente de africano, o jovem negro não é visto como europeu, embora nascido em terras portuguesas. No romance, com termos lusos fora dos padrões brasileiros —onde "esquadra" é delegacia; "receção" é recepção; "fato" é roupa; "metro" é transporte, como o nosso metrô—, o livro nos ambienta para uma realidade cruel, homofóbica, bastante racista, onde o que resta para essa população, que engrossa a fileira de imigrantes do país, até hoje, é o lugar da subalternidade e precarização nos postos de trabalho e muita violência física e psicológica.

Narrada em primeira pessoa, a linguagem de "Um Preto Muito Português" é coloquial, chegando a trazer referências a personalidades do mundo pop brasileiro —como Taís Araújo e Maria Bethânia, por exemplo.
O livro de Telma Tvon trata de cotidianos de opressão em vidas de imigrantes e seus descendentes —como é o caso dela, nascida em Luanda, em Angola, no ano de 1980, e que, além de escritora, é rapper e participa de grupos de MCs femininos, onde começou sua atividade artística e cultural.

A obra, ao falar de exclusão e opressão sociocultural, fala, ao mesmo tempo, de nossa humanidade. "Posso dizer, sem qualquer orgulho, que sou um homem estranho, tão estranho como a minha alma."
Neste ponto, Budjurra pontua o seu lugar na sociedade lusitana como homem negro —ou melhor, como "homem preto". Transitando pela cidade de Lisboa, onde vivem outros iguais a ele, todos em busca de uma vida melhor, o personagem de Telma Tvon é mais um ser perdido na multidão, à procura de sonhos e esperanças.

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