Vazamento de conteúdo de entrevista de Lula na TV gera incômodo no governo

Integrantes do governo federal criticaram nos bastidores, nesta quarta-feira (17), o vazamento ao mercado de conteúdo de entrevista do presidente Lula (PT) à TV Record antes mesmo da divulgação pela emissora. A informação foi distribuída por meio de uma agência da qual a entrevistadora é sócia.

Um colaborador direto de Lula chamou o episódio de absurdo. Essa avaliação foi a geral entres os membros da equipe do presidente, segundo afirma na condição de anonimato.

O caso foi recebido com gravidade pela equipe econômica, por exigir que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) fosse a público para debelar sobressaltos no câmbio e na Bolsa.

Não houve, entretanto, críticas públicas. A reportagem acionou a Secretaria de Comunicação do governo Lula, mas o órgão não se pronunciou.

Lula concedeu entrevista à Record na manhã de terça (16), no Palácio do Planalto. A íntegra só iria ao ar à noite, com previsão de que trechos fossem veiculados ao longo do dia pela emissora.

Mas, pouco antes das 13h, uma corretora divulgou aos investidores a declaração em que Lula dizia que ainda precisava ser convencido sobre a necessidade de cortes de gastos e que a meta fiscal não necessariamente precisava ser cumprida, embora tenha se comprometido com o arcabouço fiscal.

"Em entrevista à Record TV, que será veiculada hoje ao longo dia, o presidente Lula disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 bi e [R$] 20 bi no relatório de 22 de julho. Disse ainda que se precisar modificar a meta, ele não se opõe", diz o trecho divulgado.

Divulgado pela corretora BGC, o texto foi atribuído à Capital Advice, uma agência de análise política da qual a autora da entrevista, a jornalista Renata Varandas, é uma das três sócias. A Capital Advice, fundada em 2023, presta serviços à BGC.

A Record só viria divulgar um trecho da entrevista com Lula às 13h48, pelo portal R7, de propriedade do grupo. Antes disso, houve reações no mercado.

O dólar teve salto e a avaliação de analistas foi de que falas do presidente teriam provocavam ruídos de incerteza fiscal. No final do dia, no entanto, a moeda recuou, e fechou em baixa. Em dia de volatilidade, a Bolsa também se firmou no campo negativo após declarações do presidente.

Questionada pela reportagem, a Capital Advice não respondeu. A jornalista também foi procurada, mas não se manifestou.

A emissora, por sua vez, afirmou em nota que tomaria providências após a apuração dos fatos.

"A Record esclarece que soube da ligação da repórter Renata Varandas com a Capital Advice somente após a divulgação do release pela agência. A emissora deixa claro que condena qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado em entrevistas feitas por nossas equipes. Medidas cabíveis serão tomadas com a apuração dos fatos."

Na manhã desta quinta (18), a Record demitiu Varandas.

Em seu site, a Capital se apresenta como uma casa de análise política com sede na capital federal, "referência no Brasil e no exterior", com clientes como corretoras, gestores de fundos e gestores de patrimônio. A empresa informa ainda que a equipe tem 20 anos de experiência em cobertura política para grandes veículos, com fontes nos três poderes.

"Apuramos e organizamos informações fundamentais aos nossos clientes, e traçamos cenários que auxiliam no tomada de decisões de alocação de recursos", diz o texto do site.

A íntegra da entrevista só foi ao ar a partir das 19h55, mas a emissora divulgou trechos com antecedência.

Os efeitos das declarações no câmbio começaram por volta das 12h20, quando a cotação do dólar começou a acelerar. Às 12h43, a moeda americana passou a registrar alta ante o real, subindo até atingir a máxima da sessão, às 13h40, a R$ 5,462 —valorização de 0,33% em relação ao fechamento do dia anterior.

Às 13h48, a TV Record divulgou o trecho da entrevista que gerava ruídos no mercado, e o dólar voltou ao sinal negativo. No final do dia, a moeda fechou em baixa de 0,31%, a R$ 5,428. Na divulgação do início da tarde, Lula afirmou à TV que não é obrigado a cumprir a meta fiscal se tiver "coisas mais importantes para fazer". Por outro lado, disse que a meta de déficit zero para este ano não está rejeitada e se comprometeu a fazer o necessário para cumprir arcabouço fiscal.

A menção a cortes "entre R$ 15 bi e 20 bi", presente no comunicado da corretora, não foi dito por Lula e apenas na pergunta da jornalista. Mas Lula afirmou que precisaria ser convencido sobre cortes de gastos em 2024.

À tarde, o ministro Haddad afirmou que as declarações estariam fora de contexto. E que outros trechos da entrevista mostrariam o compromisso do governo com o arcabouço.

Na íntegra da entrevista, Lula diz: "[Meta fiscal] É apenas uma questão de visão. Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer. Esse país é muito grande. Esse país é muito poderoso, o que é pequeno é a cabeça dos dirigentes desse país e a cabeça de alguns especuladores".

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