Biblioterapia utiliza livros para aliviar sintomas de depressão e de ansiedade

Em um cartaz ao lado da livraria Jenipapo, em Belo Horizonte (MG), lê-se: "Vendem-se remédios para curar a desinteligência natural". Além de "curar a desinteligência", os livros também são benéficos para aliviar sintomas de transtornos como depressão e ansiedade. A técnica conhecida como biblioterapia utiliza a literatura como ferramenta terapêutica.

O livro "Farmácia Literária", de Ella Berthoud e Susan Elderkin, define biblioterapia como "prescrição de ficção para os males da vida". As autoras indicam obras desse gênero literário por sua capacidade de envolver o leitor de maneira profunda, permitindo que ele experimente emoções e viva a vida dos personagens, promovendo uma catarse que a não ficção não oferece.

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Deborah Cabral, doutora em estudos literários, coordena o projeto Tomates Verdes Fritos na USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto e utiliza a leitura como suporte no tratamento de pacientes com câncer e doenças neurodegenerativas. Ela começou a ver os benefícios do método em 2023, quando descobriu um câncer de mama e buscou livros para ajudar a encarar o processo. Os preferidos foram os da série napolitana de Elena Ferrante: "Amiga Genial", "História do Novo Sobrenome", "História de Quem Foge e Quem Fica" e "História da Menina Perdida".

Cabral, que também realiza um trabalho de leitura para jovens internos da Fundação Casa, explica que a escolha dos textos para cada público é feita de maneira cuidadosa, considerando necessidades e preferências. A ideia é oferecer livros que não apenas entretenham, mas que também proporcionem reflexões sobre a vida e as dificuldades enfrentadas. "A leitura permite a verbalização das emoções e exteriorização dos problemas, servindo, algumas vezes, também como provocação."

Um estudo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, mostrou que ler por apenas 6 minutos reduziu o estresse em 68% dos participantes, mais eficaz do que ouvir música (61%), tomar uma xícara de chá (54%) ou dar um passeio (42%). Os pesquisadores dizem que isso ocorre porque a mente precisa se concentrar na leitura e a distração alivia as tensões nos músculos.

Para Cristiana Seixas, psicóloga, biblioterapeuta e autora do livro "Biblioterapia: Cais de Sopros Vitais", o processo de cura da técnica consiste em identificar palavras, pensamentos e crenças que estejam obstruindo os fluxos existenciais. A literatura pode oferecer amparo expressivo, com autores traduzindo estados complexos e acessando perspectivas ainda não imaginadas, ela diz. "A pessoa gradualmente conquista sua 'família literária', que minimiza o sentimento de solidão."

Angela Maria Puppim é um exemplo de como a biblioterapia pode ajudar a superar problemas. Após experimentar a técnica, tornou-se escritora de quatro livros, poemas e participante de um coletivo de mulheres cronistas. "Considero libertárias as minhas escritas, por serem fruto de meu encontro com a biblioterapia, processo de interiorização e de cura, mediado pela literatura", explica.

A trajetória de Puppim nessa terapia começou em meio a perdas significativas e problemas de saúde que lhe causaram profundo sofrimento físico e emocional. Sentindo-se exaurida, ela buscou na biblioterapia uma forma de superar essas adversidades. "Iniciei o meu processo de escrita tardiamente, aos 64 anos, quando vivi momentos de grandes perdas, de graves problemas de saúde, com sofrimentos físicos e emocionais", relata.

Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres

Tanto homens quanto mulheres procuram esse método para tratamento e têm um perfil semelhante. "São pessoas que gostam de livros, geralmente são educados, curiosos e provavelmente bastante prósperos —eles têm tempo para ler. Geralmente, têm entre 30 e 80 anos", explica Ella Berthoud, autora de "Farmácia Literária". Ela conta também que muitas pessoas compram sessões de biblioterapia como presentes para entes queridos.

Berthoud diz que a procura pela técnica não se limitar a pessoas que já fizeram terapia tradicional. "São pessoas que querem terapia, mas não querem a terapia tradicional, ainda que não tenham experimentado a terapia tradicional também."

A pesquisa "Panorama do Consumo de Livros no Brasil", de 2023, encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), mostra que as mulheres representam 57% dos compradores de livros no país, indicando uma maior inclinação para utilizar a leitura como ferramenta de autoconhecimento. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, dos 203,1 milhões de habitantes no Brasil, elas representam 51,5 % da população.

"A leitura ajuda a relaxar e expressa valores que auxiliam no cotidiano para as pessoas se sentirem mais fortes, inspiradas e empoderadas a partir dos personagens", diz Cabral.

Não só os adultos, mas as crianças também podem ter benefícios com a biblioterapia. Seixas cita o livro "O Menino Nito", de Sonia Rosa, como obra que ajuda os mais jovens a expressarem seus sentimentos.

"O livro conta a história de um menino que passou a engolir vários choros por dia, pois seu pai o ensinou que homem não chora. De tanto engolir choros, ficou doente. Então o doutor Aymoré é chamado e o examina. Ao conversar, fica sabendo dos choros engolidos. O médico reúne a família e comunica: 'O caso é muito simples: o jeito agora é desachorar todo choro engolido'. 'Como é que desachora?' pergunta o menino. O médico responde: 'Vá lembrando dos choros engolidos e desengula todos eles, um a um, sem esquecer nenhum'", narra Seixas.

Em grupos de leitura, a presença masculina costuma ser menor do que a feminina, observa a psicóloga Elaine Gass, que frequenta seis desses clubes e media um deles. A especialista começou a ir às reuniões quando a mãe ficou doente e continuou indo durante o processo de luto.

Os encontros eram um alívio para ela, tornando o processo de leitura menos solitário e uma possibilidade para trocar opiniões com outras pessoas. "Me proporcionou essa convivência, saindo um pouco daquela situação pesada e difícil. Poder estar com outras pessoas para ser ouvinte. Acho que isso me deu um respiro e até uma força para seguir em frente."

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