Análise: arrecadação recorde e dinheiro em falta; o que explica a contradição?

Notas, moeda, Real, dinheiro, notas de dinheiro — Foto: Reprodução/Pixabay 1 de 1 Notas, moeda, Real, dinheiro, notas de dinheiro — Foto: Reprodução/Pixabay

Notas, moeda, Real, dinheiro, notas de dinheiro — Foto: Reprodução/Pixabay

O brasileiro que acompanha as notícias sobre as contas do governo está perdido. Por um lado, há dez anos não se arrecadava tanto imposto. De outro, falta dinheiro para a educação, a saúde e até para fazer passaportes.

A explicação está quase toda no teto de gastos. Mas os motivos desse "quase" eu dou mais adiante.

Em vigor desde 2017, o teto de gastos prevê que as despesas do governo só podem crescer, a cada ano, o equivalente à inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Se a inflação for de 6%, por exemplo, os gastos podem crescer os mesmos 6%.

Essas despesas incluem tanto as despesas consideradas obrigatórias (como salários de servidores e gastos da Previdência) quanto os conhecidos como "discricionários" – dos quais fazem parte desde investimentos a gastos como contas de luz, aluguéis e compras de equipamentos.

Acontece que 1) o teto de gastos não muda com o aumento da arrecadação; e 2) as despesas obrigatórias cresceram. Com isso, o dinheiro para as despesas discricionárias ficou pequeno – e muita coisa vem sendo cortada.

O resultado é de terra arrasada: universidades sem recursos, residentes de medicina (que atendem em hospitais universitários) e bolsistas da Capes sem pagamento, falta de medicamentos no programa Farmácia Popular e até carros da Polícia Rodoviária Federal com manutenção suspensa.

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O "quase" é porque essa situação não caiu do céu: é resultado também de uma série de escolhas feitas pelo governo (e não estou falando só do poder Executivo).

Só este ano, foram R$ 16,5 bilhões destinados ao chamado "orçamento secreto". Dinheiro sobre o qual há pouca transparência – e que equivale a mais de seis vezes o orçamento do programa Farmácia Popular, e mais do dobro do previsto para as despesas discricionárias das universidades federais.

Também foi uma escolha gastar mais antes das eleições, "vitaminando" os pagamentos do Auxílio Brasil, concedendo auxílios a caminhoneiros e taxistas, subsidiando indiretamente os preços dos combustíveis.

O mercado olha lá na frente e vê uma situação difícil.

A arrecadação, que este ano foi recorde, não tende a se repetir: o crescimento do país vai perdendo força, o que reduz o potencial de aumentar o dinheiro recolhido por meio de impostos. E a inflação, que ajudou nesse resultado, também caminha para uma trégua (sim, a inflação é boa para a arrecadação: quanto maior o preço dos serviços e produtos, maior o imposto pago, que em geral é uma porcentagem sobre eles).

Daí que a intenção do futuro governo Lula de conseguir uma licença para gastar quase R$ 200 bilhões acima do teto de gastos assusta, porque dá uma indicação de descontrole nas contas públicas.

A lógica é a mesma que se aplica ao brasileiro médio na hora de pedir um empréstimo: quanto maior a chance de calote, mais juros precisarão ser pagos. Se o Brasil for percebido como possível caloteiro, vai precisar pagar mais para emprestar. E essa alta de juros se reflete por toda a economia.

Não vai haver saída fácil. Vai ser preciso equilibrar a recomposição desses gastos, essenciais para o país, com o equilíbrio das contas públicas – e com muito interesse político.

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