O polêmico fundo para controlar preço de combustíveis defendido pelo presidente da Petrobras

Preço dos combustíveis é tema sensível para Lula no início de seu governo. — Foto: Getty Images via BBC 1 de 3 Preço dos combustíveis é tema sensível para Lula no início de seu governo. — Foto: Getty Images via BBC

Preço dos combustíveis é tema sensível para Lula no início de seu governo. — Foto: Getty Images via BBC

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou na última semana uma solução temporária para suavizar a alta dos preços dos combustíveis, com redução do valor cobrado pela Petrobras de distribuidoras, retorno temporário de impostos sobre gasolina e etanol e um novo tributo sobre exportação de petróleo.

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Mas o governo federal continua em busca de medidas de longo prazo para amenizar a variação de preços, que hoje sofrem forte impacto da oscilação internacional da cotação do petróleo.

A expectativa é que, a partir de abril, quando assumirá o novo conselho de administração da Petrobras, com nomes indicados pela gestão Lula, a empresa reveja a atual política de preços, para deixar de seguir integralmente o mercado global.

A mudança é, porém, alvo de fortes críticas, porque, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), não seguir os preços internacionais provocou prejuízos bilionários à estatal.

Isso porque a Petrobras importa parte dos combustíveis comercializados — com custos atrelados ao mercado global, portanto — e, por causa das medidas de controle de preços praticadas na época, era obrigada a vender mais barato, o que gerou um desequilíbrio entre suas receitas e gastos.

Outra possibilidade na mesa — também alvo de controvérsias — é a adoção de um fundo de estabilização de preços para evitar altas muito fortes no mercado interno.

Esse mecanismo funcionaria com um sistema de bandas de preços, em que os combustíveis seriam subsidiados quando o valor do petróleo ultrapassasse determinado patamar (a banda superior).

Ou seja, o consumidor pagaria um valor menor pelo combustível, e o fundo compensaria as distribuidoras pela diferença.

Os recursos para esses subsídios viriam de uma cobrança extra sobre os combustíveis quando seus preços recuassem abaixo da banda inferior.

Assim, em momentos de queda da cotação internacional do petróleo, o consumidor arcaria com um valor maior, que seria destinado ao fundo.

Esse mecanismo foi proposto no relatório do grupo de transição que analisou o setor de Minas e Energia e é defendido pelo novo presidente da Petrobras, o senador licenciado Jean Paul Prates (PT-RN).

Ele foi relator de um projeto de lei aprovado em maio do ano passado no Senado para criar um fundo desse tipo, que teria o nome de Conta de Estabilização de Preços (CEP).

A proposta ainda precisa ser apreciada pela Câmara dos Deputados, onde não avançou por enquanto.

"A volatilidade das cotações do petróleo, associada à variação cambial, praticamente elimina qualquer previsibilidade no preço dos combustíveis, gerando efeitos deletérios ao bom andamento da economia", argumentou Prates, ao defender a criação do fundo em seu relatório.

"O mecanismo básico proposto é neutro: os recursos recolhidos em momento de baixa no valor do barril são alocados na CEP para posterior utilização em favor da estabilização, em momentos em que o preço de referência é maior do que o limite superior da banda."

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Senador licenciado Jean Paul Prates (PT-RN) é o novo presidente da Petrobras. — Foto: Agência Senado via BBC 2 de 3 Senador licenciado Jean Paul Prates (PT-RN) é o novo presidente da Petrobras. — Foto: Agência Senado via BBC

Senador licenciado Jean Paul Prates (PT-RN) é o novo presidente da Petrobras. — Foto: Agência Senado via BBC

Como todas as propostas que envolvem política de preços de combustíveis, essa também enfrenta críticas.

Embora a ideia seja o mecanismo ser autossustentável, experiências de outros países, como Colômbia e Chile, mostram que fundos desse tipo costumam ficar no negativo, levando o governo a fazer aportes altos.

Na prática, os valores arrecadados quando o petróleo está mais barato não têm sido suficientes para cobrir os períodos de alta, e o governo acaba bancando o subsídio com parte da sua arrecadação ou com aumento da dívida pública.

Uma estimativa do banco de investimento UBS BB indicou que um fundo de estabilização brasileiro similar ao que funciona na Colômbia teria registrado um déficit de US$ 42 bilhões (R$ 218,5 bilhões, em valore atuais) entre 2015 e 2023.

Apenas no ano de 2022, quando houve forte alta do petróleo devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, o rombo seria de US$ 44 bilhões (R$ 229 bilhões).

Na Colômbia, onde o consumo de combustíveis é menor do que no Brasil, o déficit do fundo ficou em US$ 9,1 bilhões (R$ 47,3 bilhões) no ano passado, aponta o relatório do UBS BB.

O país tem uma das gasolinas mais baratas do mundo devido a elevados subsídios, mas o governo do presidente Gustavo Petro tem promovido aumentos de preços desde setembro.

"Vale a pena subsidiar a gasolina por 40 trilhões de pesos [cerca de R$ 43 bilhões] quando a taxa de mortalidade infantil por desnutrição está dobrando?", escreveu Petro em sua conta no Twitter ao anunciar o primeiro reajuste.

"O outro lado de não subir a gasolina e aumentar o déficit do fundo é permitir que a fome e a pobreza aumentem na Colômbia", postou também.

No caso do fundo brasileiro, o projeto de lei prevê que o governo faça aportes, se necessário, usando principalmente fontes de recursos ligadas ao setor, como parte dos dividendos pagos pela Petrobras ao governo federal ou da arrecadação com a concessão de campos de exploração de petróleo.

Para David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), não faz sentido usar esses recursos para subsidiar combustíveis altamente poluentes, como gasolina e diesel.

"Acho que esse fundo de estabilização morre na própria discussão. De onde vai vir o dinheiro? Os dividendos que vão para o Tesouro é dinheiro para políticas públicas, não para subsidiar combustíveis fósseis", critica.

"Segundo ponto: por que criar um fundo para subsidiar combustíveis e não para outros setores da economia como, por exemplo, alimentação, aluguéis?"

Não é apenas na Colômbia que esses fundos enfrentam dificuldades.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, publicou em dezembro uma análise de mecanismos de suavização de preços de combustíveis adotados em doze países e, em apenas dois deles (Chile e Peru), havia o uso de fundos de estabilização. Em ambos, a política foi reduzida ao longo dos anos.

No caso do Chile, o fundo criado em 1991 foi aplicado inicialmente para gasolina, óleo diesel, querosene, gás liquefeito de petróleo (GLP), nafta e óleo combustível.

No entanto, devido aos sucessivos déficits, teve seu alcance restringido e, desde 2011, é aplicado apenas para o querosene usado no aquecimento doméstico.

"Com a alta dos preços do petróleo no início da década de 2000, os recursos se esgotaram, e o fundo não foi capaz de promover a estabilização desejada", diz o relatório.

No caso do Peru, o fundo criado em 2004 também tem sofrido modificações, com a retirada e reinclusão de combustíveis, como o GLP envasado e o diesel. Já a gasolina está excluída do fundo desde 2012, aponta o relatório da EPE.

Os preços dos combustíveis têm sido um tema sensível para diferentes presidentes.

No governo de Dilma Rousseff, a decisão de segurar os preços praticados pela Petrobras para evitar o aumento da inflação causou um prejuízo à estatal de cerca de US$ 40 bilhões (R$ 208 bilhões, em valores atuais) entre 2010 e 2014.

No governo de Michel Temer (MDB), quando a paridade com preços internacionais foi adotada, o encarecimento dos combustíveis foi o gatilho de uma greve de caminhoneiros em 2018 que paralisou rodovias e provocou retração econômica.

No governo de Dilma Rousseff, a decisão de segurar os preços para conter a inflação causou um prejuízo à Petrobras de cerca de US$ 40 bilhões. — Foto: AFP via BBC 3 de 3 No governo de Dilma Rousseff, a decisão de segurar os preços para conter a inflação causou um prejuízo à Petrobras de cerca de US$ 40 bilhões. — Foto: AFP via BBC

No governo de Dilma Rousseff, a decisão de segurar os preços para conter a inflação causou um prejuízo à Petrobras de cerca de US$ 40 bilhões. — Foto: AFP via BBC

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) manteve a paridade estabelecida por Temer, mas adotou fortes desonerações para baratear os combustíveis no ano passado, medida que levou à perda de receitas da União e foi criticada como eleitoreira.

Os cortes de impostos adotados por Bolsonaro foram agora parcialmente revertidos por Lula.

O anúncio representou uma vitória para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), enquanto lideranças petistas, receosas do impacto do encarecimento dos combustíveis sobre a popularidade do governo, fizeram pressão contra a reoneração.

Haddad defendeu a volta dos impostos para reforçar o caixa da União para cobrir a ampliação dos gastos sociais e reduzir o rombo nas contas públicas, estimado em R$ 200 bilhões neste ano.

Com a volta parcial dos tributos na quarta-feira (1º), a reoneração da gasolina ficou em R$ 0,47 por litro e a do etanol, em R$ 0,02 por litro. O diesel permanecerá livre de tributação até o fim de 2023.

No mesmo dia, a Petrobras divulgou que o preço da gasolina vendido às distribuidoras cairia R$ 0,13 por litro, passando de R$ 3,31 para R$ 3,18. Já o diesel teria uma redução de R$ 0,08 por litro, de R$ 4,10 para R$ 4,02.

Para compensar a reoneração parcial, o governo decidiu taxar por quatro meses as exportações de petróleo cru em 9,2% por meio de uma medida provisória, com o objetivo de arrecadar R$ 6,7 bilhões.

Críticos da medida afirmam que o novo imposto reduzirá a rentabilidade do setor, desestimulando investimentos.

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