Felipe Miranda: Devo comprar ações de tecnologia?
Colunista discorre sobre mudança no método de avaliação das empresas com boom tecnológico (Imagem: Empiricus Research)
Começo esta newsletter com o já tradicional convite para as lives das quintas-feiras, a partir das 8 horas. Amanhã, terei o prazer de conversar com o amigo Tony Volpon, economista-chefe do UBS e ex-diretor do BC. Vamos falar sobre seu recém-lançado livro “Pragmatismo Sob Coação: Petismo e Economia em um Mundo de Crises” e, claro, sobre os mercados.
Além de o livro ser um deleite, é uma oportunidade excelente de ouvir um sujeito brilhante e com uma visão única sobre os mercados. Uma das coisas que mais admiro no Tony é que ele pensa com a própria cabeça, o que o torna uma exceção raríssima entre os economistas.
Aliás, breve digressão técnica: se os economistas acreditam que o “agente representativo”, o cidadão médio, pode representar o todo por mera agregação, desprezando diferenças de experiências e de comportamento e também a complexidade típica derivada das interações e dos fenômenos sociais, não é nada surpreendente que eles também pensem todos como a média. Os pensamentos individuais são todos uma construção arquetípica colada à visão de consenso.
As opiniões de meus colegas de profissão (sim, eu também tenho um diploma na “ciência jovem”, mais jovem do que ciência) deveriam representar uma distribuição, mas são apenas um parâmetro. Na linguagem do mercado, é sempre preferível errar com todo mundo do que estar certo sozinho.
Volto ao que interessa. Você é meu convidado para ouvir esse rico bate-papo e as opiniões do Tony. Tenho certeza que elas podem lhe ser úteis para compreender um pouco melhor o Brasil e balizar suas decisões de investimento. Você pode participar por meio deste link. Tony e a editora do livro foram muito gentis e concederam àqueles que participarem da live um desconto exclusivo na compra de um exemplar.
Agora, vamos ao assunto do dia. Ao que parece, o massacre na relação SMAL11/BOVV11 (ou BOVA11, ou Ibov, como preferir), comentado aqui ontem, foi estancado na tarde anterior. E, momentaneamente, não me parece haver nada mais relevante para descrever o comportamento dos mercados e o rotation em curso, do growth para o value, dos yields caindo para a abertura da curva de juros.
Se vai durar, não sabemos. Só o tempo dirá. Tudo que se fala sobre Bolsa é sempre “condicionado às informações disponíveis” — a ressalva “ao menos até aqui”, mesmo quando não explicitada em palavras, deve ser lida como tácita em cada linha do Day One.
Com a trégua na alta dos yields lá fora, há espaço para arejarmos um pouco. Podemos nos afastar ligeiramente das nervuras das folhas e olhar as coisas de maneira mais distanciada, com o benefício da perspectiva ampliada. Só assim podemos ver toda a floresta e identificar questões menos óbvias.
Se você está no meio do tiroteio, se sua sala de estar está pegando fogo, não tem muito jeito. Ficamos todos tomados pela angústia e pela necessidade de tentar explicar, esmiuçar e analisar as questões mais imediatas e cotidianas. Apagado o incêndio, porém, podemos pensar em trocar os móveis, quem sabe assinar o Amazon Prime ou comprar um iPhone 11.
Então, qual é o tema mais estrutural em curso? Se fosse para escolher um, apontaria a expectativa em torno das reuniões de políticas monetárias agendadas para os próximos dias lá fora. Amanhã, tem BCE, no provável encontro mais incerto dos últimos cinco anos — vem queda de juro? De quanto? E novo QE, vai ter também?
Na semana que vem, temos Fed, Bank of Japan e Bank of England. Qual será o futuro das taxas de juro mundo afora? Uma flexibilização monetária adicional poderia impedir uma recessão mundial em 2023 ou, mais agressivamente, devolver um melhor ritmo de crescimento global?
Quando jantamos com Nassim Taleb na última quinta-feira, ele trouxe um ponto interessante. Segundo o pensador, a capacidade de a política monetária influenciar o crescimento mundial é ínfima, próxima a zero.
A ideia dele é a seguinte: o que tem liderado o crescimento do mundo? Basicamente, o avanço das empresas de tecnologia. Ah, sim, na China também. Aliás, principalmente na China, que há muito deixou de ser um play de indústria pesada clássica (passou boa parte para os países de seu entorno) para virar um polo de tecnologia, com WeChat, Tencent, Alibaba e por aí vai.
Essa turma tech não vai tomar dívida, por mais que os juros venham cada vez mais para baixo. Não é da natureza do negócio. Quando há tecnologia envolvida, saímos do mundo linear, da distribuição gaussiana, do compartilhamento equânime de market share. Partimos para distribuições do tipo Pareto, para o “winner takes all” (o vencedor leva tudo), para grandes saltos súbitos, para trajetórias exponenciais.
Então, sabedor desse tipo de retorno absolutamente convexo, o stakeholder não vai querer dívida; ele quer estar no equity, porque só assim pode ser justificada sua matriz de payoff. Ele topa, sim, correr o risco alto da companhia, mas somente se tiver a possibilidade de uma supermultiplicação do capital investido, algo que só vai poder obter se estiver no equity.
Não sei se Taleb está certo no argumento macro. Mas a ideia micro ao menos faz sentido. E mais: casa muito bem com a rica conversa que pude ter ontem com o head de um dos principais private equities do mundo focados em tecnologia.
Abrimos a discussão saudável debatendo sobre o valuation dessas coisas. Como justificar Nubank valendo 10 bilhões de dólares? Ou Mercado Livre a infinitas vezes lucros? Sem precisar ir muito longe: Magazine Luiza ou Banco Inter? Eu achei que poderia trazer algumas coisas minimamente interessantes do que aprendi no curso em Columbia, mas fui amassado. E respeitosamente, o que é mais humilhante.
Aprendi um bocado sobre como essa turma olha para tech. Compartilho aqui algumas coisas.
Começando do fim, o que vale mesmo é o “last mile”, o contato com o cliente final, na ponta. Precisa se focar na plataforma que vai oferecer a maior quantidade de produto, tendo obstinação por melhorar a experiência do cliente — pode ser seguro saúde, viagens, banco, fundo, qualquer coisa. Muita escala (corrida para ter dezenas de milhões de cliente), numa plataforma com ampla gama de produtos e obsessiva em melhorar a experiência do consumidor.
Resultado de curto prazo, entendido como última linha ou fluxo de caixa, importa muito pouco. Na verdade, importa zero. A ideia é zerar menos qualquer fluxo de caixa positivo atual, reinvestir tudo em gente (equipe de excelência), tecnologia e crescimento, sendo que o capex marginal para atração de novos clientes precisa estar devidamente calibrado sob a ótica LTV (life time value; valor do cliente para a companhia) sobre CAC (Custo de Aquisição do Cliente), de modo que, daqui a cinco ou dez anos (na hora que a empresa quiser), possa optar por parar de crescer e começar a vomitar caixa. Nesse momento, margem pula instantaneamente de 0 para 50 por cento e fica claro todo o valor da companhia.
Diferentemente dos modelos tradicionais, todo o valor num caso assim vai estar na perpetuidade — e tudo bem. Por isso, os modelos de múltiplos tradicionais, focados nos resultados de curto prazo, perdem sentido. Esse valor lá na perpetuidade pode ser decomposto normalmente, usando as métricas tradicionais, compondo DRE (demonstração de resultados) e fluxo de caixa, por meio de três ou cinco cenários diferentes traçados, do mais pessimista ao mais otimista. Assim, você pode ter uma maior margem de segurança no valuation respectivo, ainda que o valor venha dos fluxos só lá na frente.
Talvez seja difícil ensinar truques novos a cães velhos. Ou pode ser que mais árduo ainda seja ensinar truques velhos a cães novos. Não sei, mas a verdade é que estamos num mundo cada vez mais tecnológico. A realidade não vai se adaptar à nossa visão das coisas. Somos nós que temos de nos adaptar à realidade.
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