Rodolfo Amstalden: o tempo necessário até a campainha tocar
Se a Bolsa americana continuar caindo, a brasileira tende a acompanhar, independentemente do seu valuation “intrínseco” (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)
Tudo está bem até que, de repente, tudo está mal.
Esse tipo de transformação radical se manifesta quando tocamos os “tipping points” de Malcolm Gladwell.
Imagine uma banheira sendo enchida com água quentinha, visando um banho de sais altamente revigorante.
Quanto mais o nível da água vai subindo, mais fico contente com a perspectiva do banho de banheira iminente.
No momento em que a água atinge a altura que considero ideal para o banho perfeito, decido fechar a torneira.
Mas a torneira não fecha.
Alguma coisa estranha aconteceu.
Apelo para o registro do banheiro, que passa a girar em falso.
De repente, aquele progresso do nível de água que antes me sinalizava um extremo conforto agora suscita um profundo terror — o terror do transbordamento da banheira.
Só há uma forma de coibir o alagamento: fechando o registro geral. É uma medida radical, mas não existe outro jeito.
Por sorte (?), o registro geral funciona, evitando a formação de poças de liquidez em minha casa.
No entanto, a solução do problema vem a um custo altíssimo: não posso mais usar nenhuma torneira, nem mesmo aquelas que funcionavam bem antes do incidente.
Tenho que sobreviver sem água, ao menos por um tempo.
Felizmente, os tipping points costumam ter uma dinâmica de reversão igualmente radical no que diz respeito às transformações de estado da matéria.
Tudo está mal até que, de repente, tudo está bem.
Legal, obrigado por avisar, mas quando chega o encanador?
Ninguém sabe. Ele já foi acionado, mas você precisa ficar em casa esperando a campainha tocar.
Posso estar errado (espero que sim!), mas acho que ainda leva um tempo até essa campainha salvadora tocar.
Tenho três motivos para esperar sentado:
1) Embora a Bolsa brasileira se encontre em patamares deprimidos, o valuation da Bolsa americana (14x preço sobre lucro) ainda está bem acima dos vales observados durante crises anteriores (10x). Se a Bolsa americana continuar caindo, a brasileira tende a acompanhar, independentemente do seu valuation “intrínseco” (uma abstração).
2) Vejo milhares de investidores se empolgando com grandes ralis de um dia do 💥️Ibovespa. Eles acabam comprando no impulso, e amortecendo com isso um ajuste que, de outro modo, seria mais rápido e intenso. Esses investidores à procura de consolo se esquecem que os maiores ralis diários de Bolsa ocorrem exatamente durante períodos críticos, e não ao longo da bonança.
Investidores à procura de consolo se esquecem que os maiores ralis diários de Bolsa ocorrem exatamente durante períodos críticos (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)
3) Tipicamente, quando estamos próximos ao fundo do poço, os retornos de diferentes classes de ativos começam a divergir, ressuscitando os benefícios da diversificação mediocristã. Por enquanto, todos os retornos continuam negativos de um modo bastante correlacionado.
Dito isso, termino com a ressalva de que esperar sentado não significa esperar para sempre, tampouco sugere passividade.
Significa apenas economizar energia enquanto as assimetrias se tornam mais favoráveis.
Enquanto economizamos energia, já vamos plantando as sementes do futuro cenário de recuperação.
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