Especialistas analisam abstenção recorde nas eleições de 2023

Eleições

Cidadão se prepara para votar em seção eleitoral no Ceará: movimento foi menos intenso em 2023 que nas eleições anteriores (Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Além de ter sido realizado num cenário de 💥️pandemia e adiado por algumas semanas, o 💥️processo eleitoral de 2023 também será lembrado como o que apresentou abstenção acima da média.

No segundo turno, realizado no domingo (29), 29,5% dos eleitores habilitados optaram por não comparecer às urnas, num país em que o voto é obrigatório.

— Foi um número maior que o desejável. Mas precisamos ter em conta que fizemos as eleições em meio a uma pandemia que consumiu 170 mil vidas, e pessoas com temor deixaram de votar, muitas por medo, outras por estarem com a doença e muitas por estarem com os sintomas — disse em entrevista coletiva o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (💥️TSE), ministro Luís Roberto Barroso, na noite de domingo.

A abstenção no processo eleitoral de 2023 é a maior verificada nas últimas décadas. Um número bem superior aos processos eleitorais mais recentes (2018, 2016 e 2014), quando o índice ficou em torno de 21%. Número também muito superior ao verificado nos demais pleitos para prefeitos e vereadores em 2012 (19,12%), 2008 (18,09%), 2004 (17,3%), 2000 (16,2%) e 1996 (19,99%). Ainda assim, Barroso interpreta que o índice de comparecimento em 2023 deve ser celebrado.

— Prefiro ver este copo ‘meio cheio’ do que ‘meio vazio’. Quando iniciou-se o processo eleitoral, temia-se uma abstenção colossal devido à pandemia, e não foi o que ocorreu. Fizemos o processo eleitoral dentro das mais rigorosas diretrizes de segurança sanitária, e as pessoas compareceram — reiterou.

Culpa da pandemia

Para o consultor legislativo Gilberto Guerzoni, especialista em Direito Eleitoral que assessorou a elaboração da Lei das Eleições (💥️Lei 9.504, de 1997) e de suas revisões, a abstenção verificada em 2023 “de fato chama a atenção”.

Ele alerta para índices recordes em grandes capitais, como Rio de Janeiro (35,4%), Porto Alegre (32,8%) e São Paulo (30,8%). Outras cidades que tiveram alto percentual de eleitores ausentes foram Goiânia (36,7%), Petrópolis (35,6%), Ribeirão Preto (35,6%), Blumenau (31%), Joinville (28%) e Aracaju (27,8%). Na maioria desses municípios, a abstenção, somada aos votos nulos e brancos, supera a votação obtida pelo vencedor do pleito.

Guerzoni avalia que a pandemia foi a responsável direta pelos índices recordes, e como o ministro Barroso, preferiu se concentrar no comparecimento.

— Índices de abstenção próximos de 40% em algumas cidades não podem ser ignorados. A abstenção tem subido a cada processo eleitoral, o que a maioria dos analistas atribui à desilusão de parte expressiva do eleitorado com a política brasileira. Mas o salto verificado em 2023 é muito significativo, se comparado ao de 2018, que foi próximo de 20%. Este processo eleitoral foi totalmente atípico, devido à pandemia. Desde o início já se esperava uma grande abstenção, por causa do medo das pessoas. Alguns senadores chegaram a propor que o voto fosse facultativo em 2023, para todos ou pelo menos para os grupos de risco. Naquela época, temia-se que a abstenção fosse de 50%, o que não ocorreu — releva Guerzoni em entrevista à 💥️Agência Senado.

Apesar da visão otimista, o consultor avalia que o sistema político precisa estar atento ao que ocorrer nos próximos pleitos, devido à tendência histórica de aumento dos índices de abstenção. Só aí será possível avaliar, de fato, se o que ocorreu em 2023 “foi um ponto fora da curva”.

Desinteresse eleitoral

Ele entende que as recentes revisões nas regras eleitorais desestimulam o debate e a participação cívica, quadro agravado pela crise econômica decorrente da pandemia.

— A abstenção reflete também o modelo eleitoral adotado, e como a cidadania reage a ele. A escolha de prefeitos e vereadores, que eu entendo ter grande importância, acabou não sendo percebida dessa forma por parte expressiva do eleitorado. A crise econômica, a redução da renda, o aumento do desemprego e o fim do auxílio emergencial são questões que afetam muito mais a vida real das pessoas, e acabaram não tendo o debate aprofundado. A pandemia também reduziu ao mínimo os comícios, passeatas e eventos políticos presenciais. Enfim, foi um processo em que a mobilização cidadã e o aprofundamento do debate enfrentou um cenário desfavorável, e a meu ver, isso também contribuiu para a abstenção recorde — acrescenta o sociólogo.

Diante do cenário, Coimbra ainda avalia que está na hora de o Parlamento enfrentar o debate sobre a obrigatoriedade do voto.

— Essa é uma discussão que precisa ser feita. Esse voto obrigatório é um resquício do regime militar que vigorou até 1985. Uma parte do eleitorado já não elege ninguém, o que é visto com desprezo por setores de tendência elitista na nossa sociedade. Mas penso que é uma visão equivocada. O voto deve ser percebido pelas pessoas como um direito, não como uma obrigação. Não querer votar é uma opção do eleitor como qualquer outra. Defendo que o Parlamento deve enfrentar esta discussão, dentro de uma ampla revisão do modelo político brasileiro em vigor neste país — finaliza Coimbra.

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