Em situações de crise, deve-se compreender as razões e evitar os erros do passado

Investidor de uma empresa que se encontra em dificuldades deve consultar especialitas a fim de cercar-se do melhor diagnóstico, tal qual um paciente quando procura um médico (Imagem: Getty)

*Por Estevão Seccatto

Tal qual um paciente procura um médico, ao sentir sintomas de alguma doença, um 💥️empresário busca (ou deveria buscar) um restruturador de 💥️empresas profissional para tratar do seu negócio, ao perceber que algo pode não estar indo bem.

Da mesma maneira, um 💥️investidor de empresa que se encontra em dificuldades deveria consultar especialistas afim de cercar-se das melhores opiniões disponíveis para aquele momento único.

Quando iniciamos uma consulta médica pela primeira vez, o procedimento é sempre o mesmo: (i) anamnese, entrevista realizada junto ao doente, objetivando ser ponto de partida no diagnóstico da doença, (ii) exames, tendo como finalidade a comprovação do possível problema identificado, (iii) análise dos resultados dos exames, afim de ratificar o diagnóstico, (iv) tratamento, em que prescrevem-se medicamentos e mudanças de hábitos ao paciente e, por fim, (v) acompanhamento, em que novos exames são solicitados afim de monitorar a evolução do tratamento da doença.

Uma empresa em crise é uma empresa doente. O processo de tratamento é exatamente o mesmo do de um profissional de saúde junto aos seus enfermos!

Acontece que (abusando um pouco mais do paralelo com a área da saúde), passado o momento agudo, muitos dos pacientes abandonam os tratamentos e não monitoram de forma constante a evolução do seu quadro geral, tornando-se doentes crônicos, recorrentemente retornando ao médico, com o mesmo problema.

Pior. Não é raro, pelo constrangimento de não terem seguido as recomendações, que tais pacientes troquem de médico e iniciem a mesma rotina de tratamento com um novo profissional.

Esses pacientes estão tratando os sintomas, mas não as causas dos seus males e, por isso, dificilmente serão curados. Um empresário ou executivo de empresa doente, que não segue as instruções do especialista que ele mesmo contratou para arrumar a sua gestão, age exatamente como o doente crônico. Trata os sintomas, e não a causa dos problemas.

Sintomas não são causas

Não é por acaso que se vê empresas entrando e saindo de crises, trocando constantemente de assessores, executivos ou consultores. Porém, sem conseguirem, de fato, atingir um patamar sustentável, de longo prazo, para o negócio.

Por que isso acontece? Primeiro, porque o ✅status quo é o mais cômodo, e sair de um estado de inércia requer energia.

Ações corretivas e modificações na forma de atuar são necessárias. Dá trabalho. E nem todos estão dispostos a isso.

Segundo, porque é característica da maior parte de nós, seres humanos, achar que as situações ruins irão passar, e, por natureza, tende a esquecer de momentos de dor.

Terceiro, pelo negacionismo, furtando-se da realidade, como maneira de evadir de uma verdade desconfortável. Porém, o verdadeiro processo de entendimento requer a libertação de conceitos pré-estabelecidos e de mitos nocivos (superstições geradas pelo medo do fracasso e aversão ao risco).

Em diversos executivos/empresários, há o receio de encarar os problemas (temor de perder o status, o emprego, ou por puro ego), e serem “obrigados” a aceitar que as mudanças são inevitáveis. Desta forma, prendem-se a conceitos antigos e realidades ultrapassadas.

Revisão profunda

Tais atitudes devem ser eliminadas imediatamente, na busca da verdade. Superado esse fator psicológico, que freia a compreensão da realidade, faz-se necessária uma revisão profunda (e em casos de crise, mandatoriamente, rápida) da causa raiz dos problemas enfrentados pela empresa.

Somente após ultrapassarmos essa da curva de resistência (pois mais adiante precisaremos enfrentar outra etapa da curva de resistência, sobre a aceitação da implementação da mudança) é que poderemos entrar na parte técnica da análise.

A parte técnica da análise das causas das crises deverá ser feita de maneira isenta, realista, sem vieses especulativos, e na forma de diagnóstico empresarial envolvendo os pontos abaixo relacionados. As razões para a crise da sua empresa estarão, com 99% de certeza, contidas em um ou vários dos pontos abaixo.

1. Avaliação estratégica (análise SWOT), a fim de entender o posicionamento da empresa analisada frente ao mercado e concorrentes, para desvendar em que ponto a organização pode estar falhado. Você (como gestor ou investidor) deve avaliar e encontrar respostas para:
a. Forças (S & Strenghts)
i. Quais as vantagens competitivas da empresa?
ii. O que a empresa faz melhor do que qualquer outra empresa?
iii. Quais recursos únicos ou de menor custo a empresa pode aproveitar e que outras empresas não podem?
iv. O que os clientes consideram os pontos fortes da empresa?
v. Quais os fatores que significam que a empresa “obterá a venda”?
vi. Qual a proposta única de valor da empresa?
vii. Vale a pena focar onde a empresa não é forte, ou é perda de energia e recursos?

b. Fraquezas (W – Weakness)
i. O que a empresa poderia melhorar?
ii. O que a empresa deve evitar continuar fazendo?
iii. O que os clientes provavelmente verão como pontos fracos da empresa?
iv. Quais os fatores que fazem a empresa perder as vendas?
v. Qual é o calcanhar de Aquiles da empresa?

vi. A empresa está pronta para se defender das fraquezas e das ameaças de mercado?

vii. Você sabe onde obter os recursos para endereçar as fraquezas
da empresa?

c. Oportunidades (O – Opportunities)
i. Que boas oportunidades você pode detectar para a empresa?
ii. Quais tendências interessantes você conhece para o mercado da
empresa?
iii. As oportunidades podem vir de fatores como: mudanças na tecnologia e nos mercados, mudanças nas políticas governamentais relacionadas ao campo de atuação da empresa, mudanças nos padrões sociais, perfis de população, mudanças de estilo de vida, e assim por diante e eventos específicos que mudam cenários em que a empresa atua.

d. Ameaças (T & Threats)
i. Que obstáculos a empresa enfrenta?
ii. O que os concorrentes da empresa estão fazendo?
iii. Os padrões ou especificações de qualidade para produtos ou serviços da empresa estão mudando?
iv. A mudança da tecnologia está ameaçando a posição da empresa?
v. A empresa tem problemas de débito ou de fluxo de caixa?
vi. Algum dos pontos fracos da empresa ameaça seriamente o negócio?
vii. Você sabe se defender das ameaças que cercam a empresa?
viii. A empresa está preparada para crises?

2. Avaliação sobre quais fatores externos podem estar influenciando o desempenho da empresa. Usualmente, os fatores externos não podem ser controlados pelos gestores de uma organização, assim, os gestores devem estar preparados para possíveis cenários de mudanças, entendendo como irão impactar nos resultados. Esses fatores são: (i) ambiente político, (ii) cenário macroeconômico, (iii) demografia, (iv) aspectos ambientais, (v) hábitos de consumo do seu público-alvo, (vi) mudanças legislativas, (vii) novas tecnologias – possíveis rupturas, (viii) instabilidades geopolíticas (guerras, conflitos).

3. Avaliação sobre quais fatores internos podem estar influenciando o desempenho da empresa. Vale notar que os fatores internos são geralmente onde os gestores podem atuar, a fim de mitigar riscos causados pelos fatores externos. Ainda que alguns fatores dependam de condições de mercado, existem diversas possibilidades de ações a serem feitas “dentro de casa”, para evitar crises. Esses fatores são: (i) drivers de receita, (ii) custos e despesas, (iii) recursos humanos, (iv) processos e controles, (v) estrutura de capital, (vi) gestão de caixa, (vii) investimentos, (viii) gestão dos recursos da empresa.

4. Avaliação detalhada do desempenho financeiro, a fim de identificar potenciais problemas de cunho financeiro:
a. Detalhar os ativos e passivos da empresa, bem como foram constituídos.

i. Avaliação dos ativos atuais (como foram comprados, para que foram comprados, e como estão sendo utilizados).
ii. Avaliação dos passivos (qual seu valor, prazo de pagamento, taxas e seu efeito no fluxo de caixa da empresa).

b. Avaliar o desempenho financeiro histórico (demonstração de resultados, com análises horizontais e verticais e fluxo de caixa detalhado por conta).
c. Analisar a carteira de recebíveis, para entender quais clientes podem estar prejudicando o fluxo de caixa da empresa.
d. Avaliar se os controles e reportes internos refletem corretamente a situação da empresa, ou se a empresa está tomando decisão com base em informações corretas.

5. Avaliação detalhada do desempenho operacional, a fim de identificar gaps operacionais que tenham impactado os resultados:
a. Avaliação dos custos e margens de contribuição por produto, família de produtos, unidades de negócios, entre outros, para entender o que gera margem e o que consome recursos.
b. Identificar os principais fornecedores e se as condições comerciais estão adequadas.
c. Revisar os investimentos passados e sua adequação à realidade do negócio.
d. Revisar o modelo de governança operacional e corporativa, e as alçadas de aprovações.
e. Revisar as habilidades da equipe gestão e possíveis gaps de qualificação (hardskills e softskills).
f. Analisar a estrutura societária e entender de existem disputas que possam estar afetando a gestão da empresa.

Tem mais…

Existem ainda outras investigações que poderão derivar das questões acima, na jornada pelo entendimento das causas da crise atual da empresa, e que deverão ser realizadas conforme demanda específica, mas o roteiro acima já deverá ser suficiente para desvendar a maioria dos problemas.

Identificados os problemas, os mesmos devem ser endereçados de frente, e de forma firme e assertiva. Ponto importante é garantir que os erros do passado não sejam mais cometidos. Para que isso ocorra, a comunicação honesta, aberta e clara é fundamental.

Em primeiro lugar, a admissão das causas da crise, com foco na solução e não nos culpados. Isso pois, se a postura dos sócios ou alta gestão for a “caça às bruxas”, provavelmente as pessoas da organização tentarão esconder ou minimizar os erros do passado, enviesando negativamente as análises acima sugeridas na busca das causas.

Assim, deve ser criado um ambiente em que as pessoas se sintam confortáveis e seguras em compartilhar informações em prol da saúde da empresa, e não se foquem em proteger suas próprias posições (o que é compreensível, mas não aceitável).

Não adianta, por exemplo, escutar um funcionário que está apontando uma deficiência fabril e expô-lo ao seu supervisor direto, pois certamente esse funcionário sofrerá retaliações, e isso servirá como exemplo negativo, minando a propensão dos demais funcionários em apontar outros problemas.

Em seguida, os gestores devem criar planos de prevenção de crise, disseminando os mesmos para toda a organização. Esses planos devem garantir que os erros identificados no diagnostico não sejam mais cometidos, e incluir análises preditivas para que novos problemas não ocorram.

É fundamental o monitoramento contínuo da estratégia, dos fatores internos e externos que influenciam a empresa, bem como das suas métricas de desempenho financeiro e operacional, para que qualquer variação positiva ou negativa seja identificada e imediatamente endereçada.

De toda forma, ofereço abaixo uma relação, simples e inicial, de alguns “sinais de alerta”, que devem ser monitorados e perto por investidores e gestores, a fim de evitarem situações mais graves, e que possivelmente estão ocultando problemas estruturais presentes na empresa.
1. Perda de clientes, redução nas vendas e do número de pedidos em carteira e perda de participação de mercado.
2. Estrutura de capital inadequada com fluxo de caixa operacional sendo consumido pelo financeiro.
3. Queda do nível de investimentos com ativos e tecnologia cada vez mais obsoletos.
4. Bancos com maiores restrições em conceder crédito para a empresa e score de crédito em queda.
5. Perda de produtividade, eficiência, e estoques desbalanceados.
6. Atrasos em pagamentos de impostos, fornecedores, funcionários, entre outros, com dificuldade em “fechar o caixa”/ pagar as contas.
7. Erosão do patrimônio líquido, e caixa acabando ou sendo consumido rapidamente.
8. Falta de planejamento, e performance real vs. orçado sempre errado, com ausência de explicações das razoes de discrepâncias.
9. Mudanças no ambiente legal e regulatório
10. Muitas mudanças na gestão, alto turnover de funcionários, e alto absenteísmo
11. Deficiências nos sistemas de informação gerencial e financeira, e gestores não utilizando dados (apenas feeling) para tomar decisões.
12. Falta de foco no core business por parte dos gestores, com muitas ideias extravagantes sobre novos negócios.
13. Gestão do caixa pouco rigorosa, com ausência de controles de fontes e usos de caixa.
14. Estratégias e táticas da administração desalinhadas com o ambiente competitivo atual.

Por fim, e não menos importante, os gestores precisam garantir o engajamento do time na prevenção de crises. Os membros da equipe que notarem que não foram adequadamente comunicados poderão sentir-se menosprezados e não aderirem aos planos de prevenção, deixando passar os sinais de problemas, ainda mais se perceberem uma gestão não comprometida, bem como se não
entenderem os motivos e as vantagens gerados pelas mudanças de atitudes.

As pessoas vão mudar seu comportamento se entenderem por que o estado atual é insustentável e quais os benefícios da mudança, por isso, traga as pessoas para parte da solução (do desenho e implementação) de maneira a que todos contribuam para evitar os erros do passado.

*Estevão Seccatto é conselheiro e gestor de empresas, tendo assessorado mais de 110 empresas em diversos setores. Professor de Turnaround na FIA Business School e Empiricus Research. Colunista da Agência Estado e Money Times. Engenheiro naval (Poli/USP), extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularty University), finanças descentralizadas (Duke University), mestrando stricto sensu em gestão (University of Liverpool) e MBA em Banking (FIA). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado da Artesia private equity (investimento e IPO de 3 empresas). 

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