Philipe Sampaio, do Botafogo, abre histórias da vida: "O futebol me salvou do mundo das drogas"
O futebol, além de espetáculo, é uma importante forma de transformação social. Hoje Philipe Sampaio, zagueiro do Botafogo, leva uma vida confortável em um condomínio na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Mas nem sempre foi assim ao longo de seus 28 anos.
O defensor, a caminho da segunda temporada com a camisa do Botafogo, foi criado em Raposo Tavares, comunidade na Zona Oeste de São Paulo. A mãe, Maria, ganhou uma casa em um programa do governo e Philipe se mudou para o local ainda bem jovem, acompanhado do pai Jorge.
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Os pais saíam para trabalhar pela manhã e voltavam no começo da noite. Philipe, como qualquer outra criança, ficava com meninos que tinham a mesma idade pelas ruas de Raposo Tavares. Um dia quando chegou do trabalho, a mãe Maria foi alertada que o filho estava andando com influências erradas do bairro e alertou o futuro zagueiro, que então conheceu um projeto social que mudou a própria vida, a Cohab Raposo Tavares.
- Cresci lá, nessa desigualdade que a gente vive, meus pais precisando trabalhar e eu tendo que ser responsável desde pequeno. O futebol me salvou do outro lado da vida, o mundo das drogas, do crime. Sempre tive um compromisso de mudar a vida dos meus pais. Quando crescemos em comunidade nosso maior sonho é virar jogador de futebol. Lá, tinha um projeto social e era mais para tirar as crianças das ruas do que propriamente formar jogadores, mas minha paixão (pelo futebol) nasceu ali. Via meus pais saírem de casa oito da manhã e só voltarem à noite, eu ia para a escola, ter que criar responsabilidade naquela selva... Foi uma infância com dificuldade mas que nunca faltou nada, sempre tivemos o alimento na mesa. Respeito, igualdade e honestidade foi o que simbolizou tudo isso. Esse projeto social salvou minha vida por ter criado o compromisso em mim de não fazer as coisas erradas e me apresentar o futebol. Tive a responsabilidade de cumprir horário, ser responsável e que a gente poderia ter uma oportunidade na vida - contou em entrevista exclusiva ao 💥️ge.
1 de 2 Philipe Sampaio, Botafogo — Foto: Vítor Silva/BotafogoPhilipe Sampaio, Botafogo — Foto: Vítor Silva/Botafogo
O futebol não era a prioridade do projeto social, mas Philipe começou a jogar em uma escolinha em Barueri, já que não tinha condições financeiras de pagar. Ele se destacou em um torneio de futsal de base realizado entre as escolas e foi visto por um olheiro do São Paulo.
- No projeto social, passou um olheiro do São Paulo na época, o Seu Toninho. Ele me viu, o pessoal falava bem de mim. Ele me convidou para fazer um teste lá e foi a partir dali que minha vida começou a mudar. A gente jogava em quadra, não tinha o parâmetro do campo e eu não era tão alto ainda. Ele disse que precisava de um zagueiro. Fui para Cotia, fiz uma avaliação de cinco dias e fui aprovado. Você sair da favela e ir para a base do São Paulo, que tem uma das melhores condições de trabalho, foi um choque.
Philipe ficou no São Paulo até o sub-17, quando se transferiu para o Santos. O zagueiro era o capitão do time sub-20 em 2014, ano que o Peixe foi campeão da Copinha. O defensor, porém, quebrou o braço seis dias antes da competição começar e não teve um minuto sequer dentro de campo. Em um intervalo de menos de três meses, a vida passou por mais um turbilhão.
- A Copinha para gente era a Copa do Mundo... O elenco foi campeão, todos renovaram o contrato e como eu era influente renovaram o meu também. Eu seria titular naquela campanha. Todo mundo subiu para o profissional e lá o Oswaldo (de Oliveira) disse que alguns jogadores deveriam ser emprestados para o Paulista, que era o último colocado do Estadual. Alguns recusaram, mas eu aceitei. Fiz dois jogos pelo Paulistão e fui visto por um olheiro de Portugal, me convidou para fazer um teste lá.
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💥️Ida para Portugal
Do braço quebrado ao convite para ir a Portugal foram menos de dois meses. Philipe foi convidado para ser testado no time de base de Boavista, mas sem garantia que seria contratado. O defensor acabou atuando em um torneio de pré-temporada porque o zagueiro titular se machucou e agradou o treinador português Petit, que bancou a chegada.
- Eu tinha 450 reais, dei 200 pra minha mãe e fiquei com 250, fiz o câmbio e deu uns 70 euros. Digo até hoje para ela que fui para lá com uma mochila e dentro dela tinham um monte de sonhos. Cinco dias depois, fui aprovado no teste e assinei o contrato no Boavista. Foi de quebrar o braço a jogar com o Benfica em um intervalo de dois meses. Minha vida mudou. Não tenho medo de assumir um novo desafio. Eu tinha contrato com o Santos, poderia ter ficado lá, mas não gosto da zona de conforto.
A partir do momento que fechou o contrato com o clube português, Philipe assumiu um compromisso com o projeto social Cohab Raposo Tavares. O zagueiro, inclusive, toma conta e é o líder da iniciativa até hoje.
- Foi ali (na Europa) que entendi que o projeto social poderia mudar a vida de alguém como mudou a minha. Há pouco tempo eu estava na favela e logo depois estava jogando no futebol de alto nível. O projeto era mantido por uma pessoa que não tinha condição de manter tudo. O governo também não conseguiu manter. Logo depois que recebi lá em Portugal liguei pro meu primeiro professor e falei que queria manter tudo, material, bola, alimentação. Reformamos a quadra e voltamos. Acabei virando um exemplo na comunidade, porque os jogos (do Campeonato Português) contra os grandes eram transmitidos. O pessoal me viu contra Benfica, Porto, Sporting... Em pouco tempo passei de um menino para um homem de responsável. Mas o nosso intuito era salvar a vida de um ser humano, não necessariamente formar um jogador de futebol.
2 de 2 Philipe Sampaio com o filho Davi — Foto: Vítor Silva/BotafogoPhilipe Sampaio com o filho Davi — Foto: Vítor Silva/Botafogo
A história de vida de Philipe Sampaio não se resume apenas a superação para virar jogador. Quando ele e a esposa, Jéssica, esperavam o nascimento do primeiro filho, a criança, ainda como um feto, foi diagnosticada com síndrome de down e com um caroço no crânio. O casal foi alertado que o bebê dificilmente sobreviveria e, caso vivesse, que seria uma criança especial.
- A partir dali eu passei a enxergar que a vida não tinha mais importância a não a não ser a saúde. Em meio à pressão do dia a dia eu lembro de tudo que passei com minha esposa... Fomos orientados a tirar a vida do nosso filho, tinham certeza que ele seria uma criança especial, e até me emociono quando falo disso porque só estava eu e minha esposa lá. O médico disse para nós que nosso filho seria uma criança de colo, tinha um problema no coração e que poderia tirar a vida. Ele só nasceu depois de uma cirurgia. Deus mudou a nossa vida, aconteceu um milagre. Quando passamos por dificuldades eu lembro disso tudo, ela ficou internada por um tempo porque pegou uma doença no fígado. Eu acabava o treino e ia direto para o hospital. Deus mudou a nossa vida, hoje nosso filho tem três anos, está cheio de saúde, acompanhado pelos cardiologistas e está cada vez melhor.
Davi, filho do casal, nasceu bem, apesar de todos os diagnósticos serem negativos durante a gestação. Philipe aponta como um milagre. Hoje a criança, prestes a fazer quatro anos, está acompanhada por cardiologistas e tem saúde.
💥️Contato com os amigos da infância
- Fui cortar o cabelo agora lá (em Raposo Tavares) e apareceu um amigo de infância que estava preso há nove anos. Ele, quando me viu, estava até com a tornozeleira, não acreditou, disse que viu alguns jogos meus de dentro da cadeia e me pediu um abraço. Eu perdi vários amigos, outros foram mortos a tiros, alguns estão presos, muitos seguiram o caminho honesto e viraram trabalhadores. Eu agradeci a Deus quando vi aquilo, mexeu comigo.
💥️Relação com a comunidade
- Hoje jogando no Brasil é bem mais diferente, porque direto as pessoas me veem na televisão. Eu chego lá e vejo senhores e crianças com muito respeito, a criançada quer me abraçar. Na comunidade a gente se espelha nos exemplos que temos por perto. Quase sempre é a desigualdade e aquelas pessoas andando com cordão de ouro, carrões, mulheres... Ali eu me vejo como outro exemplo. Toda a oportunidade que eu tenho eu vou, meus pais ainda moram lá. O projeto hoje é uma vida na oportunidade, temos 80 crianças, seis voluntários, temos uma sede onde damos cestas básicas, alimentação para professores e crianças.
💥️Sonho
- Meu maior sonho é formar cidadãos. Se um deles sair dali e vivenciar tudo que eu vivi já será minha maior realização. Tenho quase nove anos de Europa, estou indo para minha segunda temporada no Brasil e tudo foi através de um projeto. Se a gente não formar jogadores, que formemos cidadãos.
💥️Resiliência
- Em meio as dificuldades, pressão, erros e acertos no campo, eu sempre me apego a isso. Muitas vezes o torcedor não sabe quem é o Philipe. Ele te julga por quem você é no campo, mas somos igual a qualquer outro ser humano. Isso me deixou mais racional, hoje sei que quando as coisas estão bem eu não sou o melhor do mundo, nem que sou o pior quando tudo está ruim. Ter a sensibilidade que existem coisas maiores que o futebol. É ser um pai de família, criar um projeto, ser forte depois de ouvir que seu filho seria uma criança de cama.
💥️Esposa
- Hoje se eu atingi o patamar que eu estou na minha carreira foi com o alicerce dela. Ela foi minha primeira namorada, vamos fazer 12 anos juntos e crescemos do baixo até hoje. Ela está grávida do nosso segundo filho. Nossa vinda para o Botafogo foi um presente de Deus. Passamos por tudo aquilo longe, depois veio o Covid, e hoje os avós podem brincar e conviver com o meu filho.
💥️Como se define
- Sou um cara batalhador. Trabalho muito, sou muito sério e compromissado. Gosto muito de ajudar o próximo, até dentro do clube, gosto muito de conversar os jovens, cobro bastante. Jogando ou não jogando sou a mesma pessoa. Subimos na escada da vida.
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