Felipe Miranda: Sem mil pontos: a taxa do eu sei
💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
Com o Ibovespa em recorde histórico e beliscando os 95 mil pontos, está oficialmente aberta a alta temporada das adivinhações. Estamos num daqueles momentos em que os analistas financeiros se prestam ao mais alto grau do ridículo. A moda agora é adivinhar quando o principal índice de ações da Bolsa brasileira atingirá a marca dos 100 mil pontos.
Os oráculos da Faria Lima têm superpoderes não apenas para antecipar a direção do mercado acionário, mas também para antever o momento exato em que uma determinada pontuação será atingida. Da minha parte, com Rico Amor em tudo, ainda estou esperando aqueles 200 mil pontos, projetados pelo mais famoso de nossos superprevisores – suspeito que venham junto aos cinco milhões de CPFs em Bolsa do Edemir ou com o IPO da mina de Casa de Pedra da CSN.
Pítia, a Suprema Sacerdotisa do Oráculo de Delfos, era certamente muito mais confiável. Se suas previsões mereciam o crédito dado pelos gregos – ou mesmo pelos romanos e egípcios –, sinceramente não sei. Ao menos ela poderia oferecer alguma sabedoria. No Oráculo de Delfos, estavam estampadas duas frases fundamentais: “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso”.
Mais do que o charlatanismo das previsões, essas frases oferecem lições muito mais valiosas aos investidores.
Se você quer ter sucesso em Bolsa, a primeira coisa que me parece razoável é entender a si próprio. Fora dos discursos politicamente corretos, a verdade é que muita gente ganha dinheiro no curto prazo – pegue o Renaissance, por exemplo, do mito Jim Simons, com seus trades de alta frequência, em operações de nanossegundos. E, claro, há quem ganhe dinheiro no longo prazo – aqui a representação maior é Warren Buffett e toda sua filosofia de valor.
Muita gente ganha dinheiro com renda fixa e câmbio. Muita gente não sabe nada disso e foca em ações.
Não há certo ou errado. Vários jeitos de se fazer convivem e… tudo bem. Somente os arrogantes e ignorantes são incapazes de reconhecer habilidades também no método alheio. Narciso acha feio o que não é espelho. Existem várias formas. Descubra a que funciona para você. Vale para frequência, para níveis de risco, para tolerância à volatilidade, etc.
Cientes de nós mesmos, podemos avançar à outra frase, cuja lição essencial também aparece na Sagrada Escritura na versão salomônica elogiosa ao caminho do meio. Conforme lembra Harry Markowitz, “diversification is the only free lunch in finance” (diversificação é o único almoço grátis em finanças).
Warren Buffett chegou a dizer que a diversificação é a arma daqueles que não sabem o que estão fazendo. O grande problema é que, normalmente, não sabemos mesmo. Estamos condenados a um ambiente de incerteza e aleatoriedade, para desespero de nossos cérebros tão carentes de visibilidade, certeza, determinismo e linearidade. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle.
Uma das minhas deliberações de final de ano é falar mais vezes “eu não sei”, porque, na vida diária ou no mercado financeiro, existem só dois tipos de pessoas: as que não sabem e as que acham que sabem. O primeiro grupo está em clara vantagem, porque não se dá à concentração, às certezas, à alavancagem. Quando erra – e necessariamente se erra –, o erro é pequeno.
A arrogância com que se fala sobre finanças por aí é simplesmente uma atrocidade, um rápido caminho para as pretensas convicções típicas apenas daqueles alijados de qualquer espírito científico. Qualquer hipótese nula deve sempre conviver com uma alternativa; toda tese precisa encontrar sua antítese. Caso contrário, é o Fim da História, tal como identificado por Francis Fukuyama, mas aqui aplicado ao investidor.
Por isso, minha insistência na diversificação e na necessidade de sempre carregar proteções em sua carteira, ainda que isso custe um pouco de dinheiro.
Veja: não se trata de uma opinião, mas de uma verdade científica. Qualquer tese (na aplicação como investidor, qualquer posição) precisa ser testada contra uma hipótese alternativa (proteção àquela posição). É essa a essência do método científico cartesiano. Nós não sabemos ex-ante o resultado do teste científico. E quando não se sabe, você diversifica as tentativas.
Deixe-me tentar tangibilizar um pouco mais as vantagens de se reconhecer o “não-saber”. Pense nos melhores gestores de fundos multimercados brasileiros. Bicho, esses caras são verdadeiros gênios, nível world-class, hall of fame da gestão de recursos.
Falo dessa turma com todo o respeito do mundo, ciente de que, nem se tivesse acesso àquela poderosa substância do filme “Sem Limites”, usasse toda a capacidade do cérebro e ainda a multiplicasse por dez, elevando-a posteriormente à enésima potência, chegaria aos pés dessa galera.
A verdade, porém, é que eles tiveram um ano de 2018 ruim, não remunerando seus cotistas adequadamente pelo risco marginal assumido. E aqui me refiro aos mais consagrados, àqueles considerados super-heróis mesmo pelos profissionais da indústria financeira. Uns ficaram abaixo do CDI, outros superaram marginalmente o benchmark.
E antes que o eventual leitor mais apressado venha me apontar esse ou aquele fundo que superou por larga margem o CDI, deixo claro que esse suposto contra-argumento apenas confirma a argumentação original. Numa distribuição normal gerada aleatoriamente para retornos de fundos contra o CDI, metade dos gestores vai necessariamente ficar acima do referencial (brevíssimo comentário técnico: é provável que isso seja leptocúrtico, e não gaussiano, mas não há perda de generalidade aqui). Encontrar alguns fundos que batem o benchmark não significa nada.
É evidente que, para defender seus queridos super-heróis, a indústria, os jornais, os alocadores e os próprios gestores vão aparecer com uma série de falácias de narrativas para explicar o mau desempenho de 2018. Um desistiu da posição cedo demais e provou-se intelectualmente certo a posteriori. Outro foi “stopado” por regras técnicas mal-desenhadas pela B3. Um terceiro sofreu com restrições de liquidez para desmontagem de posições num mercado periférico.
Pra mim, a coisa é muito mais simples. Esses caras simplesmente erraram. E é natural que isso aconteça, simplesmente porque estamos num ambiente dominado pela incerteza e pela aleatoriedade, em que o acaso joga – e joga muito. A bola vem do escanteio, bate no ombro do Fernandinho e passa do ladinho das mãos do goleiro; vendo o Bola da Vez na ESPN, ouvi Tite contando que aconteceu rigorosamente o mesmo lance no treino, mas a bola foi parar nas mãos do Alisson. Um tiquinho pra cá ou pra lá e não seríamos eliminados da Copa.
Pra resumir a brincadeira toda, se grandes gestores de multimercados e os maiores gênios do Brasil (aliás, foi um problema global dos hedge funds) não bateram seus benchmarks em 2018, encaremos a realidade de frente: os mercados são muito eficientes (informacionalmente eficientes) e batê-los com consistência é dificílimo (eu escreveria impossível, mas deixo a discussão para outro momento). Tenha a devida humildade epistemológica para perceber que não há super-heróis por aí – isso inclui, claro, você mesmo, que terá de enfrentar a frustração narcísica de, na melhor das hipóteses, empatar com a média do mercado.
Não se trata de má notícia necessariamente: hoje é dia 15 de janeiro e o Ibovespa já sobe 7,5 por cento em 2023. O ano está só começando.
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