Felipe Miranda: Efeito borboleta; como era verde o meu vale
💥️Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
A ciência é um fetiche da vibrante burguesia. A frase não é minha, mas de Theodor Adorno. Desde que o Iluminismo matou Deus, a turma busca colocar algo igualmente representativo no lugar, apelando a qualquer heterodoxia se precisar. Seguimos “em busca do heroísmo genuíno”, emprestando título de meu texto favorito do brilhante André Lara Resende — sua recente proposição, confesso, me parece um tanto estranha, mas isso é tema para outro dia.
Começo hoje com duas indicações.
A primeira sugere um vídeo. Às 11 horas, farei uma Live a convite do ótimo gestor James Gulbrandsen, da gigante NCH Capital, sobre investimentos em small caps. 💥️Este é o link de acesso.
A segunda remete a uma leitura, mais especificamente ao paper “💥️Tail Hedging — revising and redefing risk”, de autoria de Matheus Spiess Duarte (University of Regina) sob orientação do professor George Hartner (University of Regina). Peço desculpas por não ter versão em português.
💥️O perigo mora ao lado: mercado pune emergentes em fraqueza fiscal e “aguarda” Brasil
Às vezes, não nos damos conta do alcance de certas coisas. O bater das asas de uma simples borboleta é capaz de provocar um tufão do outro lado do mundo. Mais uma vez recorrendo a Adorno, a tarefa atual da arte é introduzir o caos na ordem. Fui surpreendido ontem com o material, tendo meu nome entre as referências bibliográficas. Nem acho justo. Obviamente, não estou à altura dos demais ali relacionados.
De todo modo, dada a batalha pessoal para difundir a ideia de tail hedging e Barbell Strategy também para o investidor pessoa física, confesso um certo gosto doce na boca. Nada especial, eu sei. Coisa pequena, mas foi interessante ver a mensagem ressoar lá no Canadá em Financial Economics (disciplina por vezes traduzida como Teoria das Decisões Financeiras). Matheus, muito obrigado pela menção.
Não é à toa a citação dos dois temas neste momento. Poderia dizer, inclusive, haver relação direta entre eles. Se eu for bem-sucedido na argumentação a seguir, ficará claro para você.
Como os quatro leitores desta newsletter talvez saibam, tenho mantido otimismo com o ciclo dos ativos de risco brasileiros. Pra mim, estamos num grande bull market (mercado em tendência de alta) estrutural, iniciado no começo de 2016, sustentado fundamentalmente por:
i. alteração do espectro sócio-político-econômico da esquerda intervencionista para a direita liberal, permeado por uma agenda audaciosa de reformas estruturantes, fiscais e outras de cunho microeconômico (avanços regulatórios, privatizações, concessões, melhorias tributárias, etc.);
ii. recuperação cíclica da atividade, depois da maior recessão da história republicana brasileira (indicadores altíssimos de ociosidade, o que permite juros na mínima histórica e crescimento sem inflação por anos), com desdobramentos pronunciados sobre os lucros corporativos (empresas fizeram sua lição de casa, cortaram custos e despesas, descalavraram e agora estão prontas para observar verdadeira explosão dos lucros, muito por conta da fraquíssima base de comparação, em especial das margens) — note que não há problemas de balanço de pagamentos, a inflação está sob controle, há folga de oferta dos fatores de produção; e
iii. o cenário internacional, se não é pujante, se mostra razoavelmente favorável para os mercados emergentes. Os juros se mantêm em níveis baixos para padrões históricos no exterior e o cenário, ao menos por enquanto, ainda indica um crescimento interessante para o mundo — mesmo com desaceleração na margem, os indicadores recentes não parecem apontar para uma recessão iminente. Com juros baixos e o mundo ainda crescendo, o fluxo de recursos pode voltar a ser redirecionado para os emergentes.
Tudo isso em níveis de valuation convidativos, em especial se considerarmos o custo de oportunidade do capital mais baixo e o prognóstico de lucros crescendo forte. Nesse ambiente, tenho apontado as small caps como a classe de ativos com potencial para liderar o movimento dos mercados nos próximos anos. Elas foram simplesmente dizimadas no último ciclo e gozam tradicionalmente de um componente beta (sensibilidade às condições sistêmicas) alto.
Ao menos em linhas gerais, fica assim explicado o especial interesse em small caps no momento — inclusive aqui registro o depoimento pessoal: eu mesmo tenho comprado SMAL11 sempre que posso.
Mas como isso se liga à ideia do tail hedging? E o que isso tem a ver com o primeiro parágrafo deste texto?
Tudo que escrevi sobre o ciclo de mercado e sobre as small caps em particular reflete minha exata e transparente opinião. Mas é só a minha opinião, entende? É o que eu acho. Mas e daí que eu acho?
Sou um financista que acredita muito pouco na capacidade dos financistas. O ato de investir é algo umbilicalmente ligado ao futuro. E esse, por mais incrível que pareça, vai continuar no futuro. Por mais esforçados que sejamos, não conseguimos antecipar os tempos verbais e conjugar o amanhã como um ato do presente. O futuro é opaco e impermeável, reservando para nós um montão de surpresas ao longo da travessia. E quer saber? Ainda bem. A vida seria chata pra caramba se a gente soubesse tudo que fosse acontecer.
No ato de investir, empenhamo-nos na inglória tarefa de formar uma opinião e ter visibilidade sobre algo que não conseguimos enxergar.
Na Empiricus, quando coloco o chapéu de executivo, insisto que, aqui, não há opiniões. Não vivemos aqui a chamada “ditadura do argumento”, tão valorizada nos partnerships tidos como bacaninhas no mercado financeiro. Embora seja admirador declarado da turma do Pactual, gosto mais do Persio Arida da Academia.
Foi lá que ele escreveu seu estupendo artigo sobre retórica e nos mostrou como os embates dialéticos não são vencidos por superação positiva. Ou seja, quando duas teorias são confrontadas, não sai vencedora necessariamente a melhor, mas simplesmente aquela com as melhores regras de retórica.
Assim, se você vive a ditadura do argumento, está condenado simplesmente a eleger um déspota esclarecido em retórica. Não é o melhor, só o mais persuasivo.
Da nossa porta para dentro, existe a batizada “ditadura do teste”. Na Empiricus, evitamos opiniões. A gente testa e vê o que o dado responde. Ele — mais ninguém, sem nenhum achismo — define os rumos da Companhia.
Como sempre achei que o mercado financeiro é apenas uma metonímia da realidade cotidiana, procuro replicar a mesma ideia nos investimentos. Mas é claro que há limitações. Sendo o ato de investir algo ligado ao futuro, nossa capacidade de teste está limitada. Tomamos uma decisão hoje sobre resultados a serem conhecidos só depois. Então, a capacidade de testar é bastante prejudicada.
A essência de dar pouco peso às opiniões, por mais técnicas, embasadas, científicas (ou seriam cientificistas) e diligentes que sejam, permanece. Eu estou otimista com small caps. Mas e daí? Minha opinião (assim como a de qualquer outro “especialista”) vale muito pouco, quase nada. Heurística rápida: quanto mais o “especialista” achar válida e importante sua própria opinião, menos valiosa e mais perigosa ela será — trata-se apenas de um sinal de ignorância e arrogância epistemológica.
O especialista pode estar errado. Isso por conta de duas dimensões, basicamente. Na primeira, ele avaliou todos os dados disponíveis e, considerando as condições materiais existentes, chegou a uma conclusão errada. Trata-se de um erro de análise propriamente dito, da atual maré das circunstâncias.
Na segunda, ele acertou o cenário, dadas as informações disponíveis — o problema é que elas mudaram no meio do caminho. O problema: elas normalmente mudam. Em termos práticos, não muda muito. Ambas resultam em prejuízo para o investidor.
Resumo: é difícil. Por isso insisto tanto para que o investidor contemple sempre (ou só quando respira) a possibilidade de estar errado. Não deixe de considerar a hipótese de que as coisas podem dar errado. Porque, às vezes, elas dão mesmo.
É isso que nos leva ao tal do tail hedging lá do começo. Ou seja, de manter uma tese qualquer e comprar uma série de seguros-catástrofe contra essa própria tese. Mark Spitznagel (sócio de Nassim Taleb) defende as puts (opções de venda) bem fora do dinheiro como o melhor instrumento para isso. Tail vem, claro, de cauda, dos eventos raros, longe da média da distribuição de probabilidade. Hedging, igualmente claro, significa proteção. A estratégia, portanto, visa sempre proteger-se contra esses eventos raros de alto impacto, não contemplados pela nossa capacidade analítica ex-ante.
Isso aqui não é uma proposta teórica. Esse tipo de abordagem tem sido sistematicamente implementado na Carteira Empiricus, cujos resultados falam por si só (um dos motivos de maior orgulho profissional é ver esse negócio dando 200 por cento do CDI desde sua criação; tudo, incluindo track record, devidamente publicado, aferido e incontestável — enquanto uns choramingam, outros ganham dinheiro).
Como exemplos materiais, pegamos as puts de Vale agora no início do ano. Também passamos com maior tranquilidade pelo “Joesleygate”. E agora mesmo estamos relativamente protegidos com puts sobre BOVA, porque vai saber o que vem neste país maluco, não é mesmo?
Sei também que o método não é perfeito, principalmente no Brasil. Aliás, longe disso. Para nosso mercado de opções, nem cabe o termo emergente; só vale subdesenvolvido mesmo. A liquidez é horrível, as distorções de preço são enormes, os bancos enfiam a faca, as corretoras, por vezes, sequer disponibilizam no home broker.
Em vez de entenderem se tratar de um instrumento de hedge e olhar o portfólio do investidor como um todo, lançam uma regra idiota de vetar o trading de puts mais longas e fora do dinheiro no home broker; veem essa posição isolada e concluem, erradamente, se tratar de algo muito arriscado. O prejudicado, claro, é o próprio investidor, que é obrigado a ligar na mesa para realizar a operação, pagando uma corretagem por vezes proibitiva.
Mesmo assim, temos aplicado esse instrumental colhendo bons resultados. Sabe qual é o maior benefício do método, na minha visão? O de proteger o investidor da gente mesmo, dos financistas que se acham espertos demais. A verdadeira inteligência no mercado financeiro, pra mim, está em perceber que não há inteligência alguma. Ou que todos são inteligentes. Dá no mesmo.
No meu entendimento, a maior vantagem da nossa equipe não é o brilhantismo dos especialistas, nem o fato de sermos muitos (e escala conta muito nesse negócio), tampouco a rede de contatos única que construímos, muito menos a relevância da Companhia como driver de mercado (tratamos cada indicação aqui com a responsabilidade de um fato relevante). Tudo isso é real e tangível. Mas o maior diferencial mesmo é outro: nós sabemos que não sabemos.
Antes de partir, dois comentários específicos sobre ações:
A. Parece-me ter passado da hora de alguém olhar com carinho para a criatividade contábil das empresas educacionais. Nego faz aquisição e marca no book um impairment qualquer bilionário. Vai passando o tempo e reverte-se a provisão, fazendo-a passar pela DRE e inflando Ebitda e lucro líquido. Quando é ruim, marca só no patrimônio. Quando é bom, faz transitar como uma conta de resultado. A bicicleta vai pedalar até quando? Gestora carioca já escreveu sobre isso há vários anos e a sensação é de que nada mudou.
B. Recebi o e-mail abaixo ontem. Apresento primeiro, respondo depois:
“Boa Noite Felipe,
Primeiramente gostaria de lhe dizer da honra em ser um dos quatro leitores do Day One. Colocando um pouco de luz nessa penumbra de ignorância financeira.
Vocês com o editorial e a XP com a plataforma transformaram a vida de muitos indivíduos que se permitiram expandir-se nesse território tão complexo, ou apenas taxado de complexo — ou ambos.
Segundamente, venho humildemente pedir uma avaliação — no Day One ou onde achares mais pertinente — sobre as ações da VALE.
Por iniciativa própria, tomado por emoção, tive a brilhante ideia de alugar ações dessa empresa na segunda subsequente à tragédia, e logo as vendi por 45 reais.
Mesmo após falares por algumas vezes das incertezas desse papel, aconselhando ficar longe, resisti a desfazer-me quando estava cotado à 41. Perdi o “time”.
Conte-nos, caso achas pertinente, o que essa pobre alma, ou almas -Talvez mais pessoas tenham tido (conjugação da boa) essa brilhante ideia – podem fazer nessa situação.
Por favor, mande um abraço pra gloriosa Bettina, minha conterrânea que também veio desbravar essa terra de bandeirantes.
Vida longa à Empiricus!!! Salve!!!”
Para falar sobre Vale, recorro à ideia das três pastas de Buffett: “yes”, “no”, “too hard”. Pra mim, é um caso de “too hard” agora. Eu simplesmente não sei. Não faço ideia de como a China vai se comportar (acho que ninguém sabe, pra falar a real), da caminhada do minério de ferro, nem dos prejuízos e dos liabilities todos ligados a Brumadinho. Então, prefiro potencialmente incorrer no erro tipo 2, de tomar falso o que pode ser verdadeiro. Não compro, não vendo. Até reconheço que parece barato, mas não sinto a margem de segurança necessária. Turma aqui prefere Gerdau neste segmento de M&M.
O que você está lendo é [Felipe Miranda: Efeito borboleta; como era verde o meu vale].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.
Wonderful comments