Novo app de relacionamento para dormir de conchinha se opõe a fast foda
Outras perguntas —como o tempo que gosta de ficar abraçado e o tipo de programa que gostaria de fazer com a outra pessoa— são feitas até que o "encaixe" ocorra. Por último, mas não menos importante, a expectativa em relação ao sexo é medida pelo ✅safofômetro, um índice que calcula em que lugar entre o fofo e o safado a pessoa está. A partir do questionário respondido, as informações são cruzadas para unir quem gosta de ser a conchinha de dentro com quem gosta de ser a de fora, por exemplo. O usuário então recebe três opções de compatibilidade. Se algum interesse for recíproco, a conversa passa para o WhatsApp. Se for do desejo de ambas as partes, o próximo passo é o "deite", assim mesmo, do verbo deitar. Uma brincadeira com o ✅date, ou "encontro" em inglês. A plataforma de encontros Conchinha começou a ganhar forma na cabeça de seu fundador, o curador e ficcionista Diego Mauro, 36, há alguns anos. "Sou usuário de aplicativo de relacionamentos desde 2014 e durante um tempo era divertida essa coisa mais casual, de encontros sem nenhum cuidado. Mas chega uma hora em que fica cansativo", conta. Esse cansaço ganhou até um nome: ✅dating burnout, ou seja, a exaustão que os aplicativos causam por meio de uma falsa sensação de que há muitas opções, mas que, na realidade, você não tem ninguém. Por outro lado, a dificuldade do encontro físico imposta pela pandemia acelerou um outro tipo de relação, o chamado ✅slow dating, em que as pessoas preferem conversar por mais tempo antes de se encontrarem. Assim, a ideia de um aplicativo com mais calor humano foi crescendo. "A plataforma surge nesse contexto, para se opor ao ✅fast foda", brinca Diego. Ele começou então a se perguntar como fazer, dentro dos acordos criados no mundo dos aplicativos, para se ter mais afeto, independentemente do tipo de relacionamento estabelecido. "Hoje parece que se você demonstra afeto a alguém logo de cara, dá a entender que está convidando essa pessoa para financiar um apartamento juntos", ironiza. Esse questionamento permeia o livro "Como pensar mais sobre sexo" (editora Objetiva), do filósofo suíço Alain de Botton. De acordo com ele, a necessidade de sexo e a necessidade de amor devem ser reconhecidas igualmente importantes. "Enquanto a única maneira de obter sexo for fingindo estar apaixonado, alguns vão mentir e agir assim. E enquanto a única maneira de ter uma chance de encontrar um amor duradouro for nos mostrando como aventureiros despreocupados, corremos o risco de nos sentirmos dolorosamente abandonados na manhã seguinte". Em outras palavras, "querer amor mais que sexo, ou até em vez dele, não é 'melhor' nem 'pior' do que o contrário. Ambas as necessidades têm seu lugar em nosso repertório humano de sentimentos e desejos". Para além do binarismo entre querer somente sexo ou estar em busca de um relacionamento duradouro, há um espectro imenso de possibilidades. Foi daí que surgiu a ideia de uma plataforma de encontros destinada a "pessoas que não têm vergonha de dar um ursinho de pelúcia a alguém já no primeiro encontro", como conta Diego. Não se trata de juntar pessoas em busca deste ou daquele tipo de relação, mas sim de que haja afeto. Ainda que seja somente para assistir a um filminho. O psicanalista Raoni Pereira Rodrigues, mestre em psicologia clínica pela USP, alerta, no entanto, para as armadilhas que podem estar por trás dessa proposta. "O risco que um aplicativo desses corre é o de virar uma espécie de 'iFood gourmet', como se fosse um consumidor exigindo que suas expectativas fossem atendidas por um prestador de serviço, e não uma outra pessoa ali do outro lado também cheia de desejos para satisfazer", diz. "As pessoas entram em aplicativos assim com a ilusão de que vai ser fácil encontrar afeto ali. Mas afeto é uma coisa muito difícil, do mesmo jeito que se relacionar é muito difícil. Dá muito trabalho, a gente sente muitos afetos diferentes em uma relação. Não tem como facilitar". Para o psicanalista, que em sua pesquisa de mestrado aborda as complexidades e os desafios das relações, a maior cilada pode ser a promessa de que a plataforma —assim como qualquer aplicativo de relacionamento— será um atalho para fazer o trabalho que a pessoa não consegue ou não quer fazer. "Relacionar-se dá trabalho e isso é inevitável", diz. "Precisamos aprender a suportar esse trabalho". O Conchinha surgiu no ano passado, após uma série de testes e estudos, incluindo uma disciplina de empreendedorismo cursada por Diego e Henrique Prado, 31, cofundador. Por enquanto, só funciona na cidade de São Paulo, mas os sócios estão em busca de investimentos e parcerias para que o aplicativo seja lançado no ano que vem e funcione em todo o país. Embora a plataforma ainda seja pequena e restrita a somente São Paulo, Diego conta que os usuários —cerca de 200 inscritos, a maioria homens homossexuais, seguida de homens e mulheres heterossexuais— são entusiastas dos valores praticados ali. "Eles têm ajudado a gente a pensar em soluções que escapam dos modelos de outros aplicativos", diz. "As pessoas têm sido muito generosas em se abrir para nós ao nos contar suas experiências". Para fazer a distinção entre o Conchinha e os outros aplicativos de encontros, Diego e Henrique usam os hormônios. "A maioria dos aplicativos hoje é pautada pela dopamina que as curtidas e ✅pushes provocam", afirma Diego. Enquanto a dopamina está ligada à surpresa e ao prazer do sexo, outro hormônio, a ocitocina, é liberado em situações de bem-estar e está relacionado com a criação de vínculos. Diego acha que a melhor maneira de liberação de ocitocina é dormir de conchinha. "Porque você tem muito contato de pele". Nesse aspecto, o objetivo da plataforma é um tanto quanto pretensioso: "A ideia é democratizar a ocitocina". Nada que uma conchinha clássica não resolva.Marina Rossi
"Democratizar a ocitocina"
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