Cartilha da Alesp usa paquera para relativizar assédio
Para a advogada Marina Ganzarolli, presidente e fundadora do movimento #MeToo no Brasil, a cartilha é problemática em diversos aspectos. A começar pela autoria do documento. "Quem redigiu esse documento? Provavelmente os próprios servidores, que não são especialistas em políticas discriminatórias e compliance", diz. "Não há uma consultoria técnica responsável pela elaboração do documento". E isso, segundo ela, se reflete no conteúdo. "Não necessariamente o assédio envolve medo e repulsa. Pode haver revolta, constrangimento, descontentamento", diz. "A definição de assédio é quando há conotação sexual e não há consentimento", afirma. "Mais importante que o 'não é não', é dizer que o silêncio não significa sim, assim como a ausência de um grito de não também não é um sim". A coluna apurou que em um primeiro momento a cartilha foi enviada somente às deputadas mulheres, algo que causou estranhamento. Além disso, o documento teria sido elaborado após a denúncia feita pela deputada Thainara Faria (PT), que disse ter sido vítima de racismo dentro da Alesp. No dia 31 de março, Thainara, que é uma mulher negra, foi impedida de registrar sua presença por uma servidora da Assembleia, que argumentou ser uma atividade restrita aos deputados da casa. Na época, a equipe da deputada afirmou, por meio de nota, que pedirá a abertura de uma sindicância para apurar o caso. Procurada, ela afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não conseguiria falar com a coluna por falta de agenda. O racismo sofrido pela deputada Thainara dentro da Alesp não está isolado. Na lista das investidas contra as mulheres ocorridas na Assembleia Legislativa de São Paulo, talvez um dos casos mais emblemáticos seja o que envolve a ex-deputada Isa Penna (PCdoB). Em 2023, Isa foi apalpada pelo deputado, na época do Cidadania, Fernando Cury, durante a votação do orçamento do estado para 2023. As câmeras do plenário flagraram o momento em que Fernando Cury passa a mão no seio de Isa e dá um abraço por trás nela. Na época, o deputado foi suspenso por seis meses, algo inédito na Alesp, e expulso de seu partido, o Cidadania. Tornou-se réu por importunação sexual e hoje é filiado ao União Brasil. A coluna não conseguiu contato com o ex-deputado. Até o fechamento desta reportagem, Isa Penna não havia respondido às perguntas enviadas pela coluna. Para a advogada Marina Ganzarolli, houve uma "boa intenção" dos servidores que escreveram a cartilha, mas é preciso que especialistas no assunto sejam consultados e participem da elaboração do documento. Mais do que orientações sobre o que é ou não assédio, é preciso que se criem canais de denúncias próprios da Alesp, e, especialmente, formas de acolhimento das vítimas. "As empresas públicas estão anos-luz atrás das companhias privadas nessa matéria de ESG [sigla em inglês para sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa] e inclusão. É preciso que o tema seja levado a sério no setor público também".Marina Rossi
A assessoria de imprensa da Alesp informou à coluna que a cartilha "ainda está em produção" e que, em um primeiro momento, as parlamentares mulheres foram ouvidas, mas o processo de produção do documento "está envolvendo vários parlamentares".O que você está lendo é [Cartilha da Alesp usa paquera para relativizar assédio].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.
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