Bicha só deixará de ser insulto quando perdermos o medo do nosso c*

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Amara Moira

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"Aqui não há, e nem pode haver, homofobia. Pelo fim do grito de 'bicha' no tiro de meta do goleiro adversário. Porque a homofobia, além de ir contra o princípio de igualdade que está no DNA corinthiano, ainda pode prejudicar o Timão. Aqui é Corinthians!"

A própria Gaviões da Fiel, principal organizada do Corinthians, endossaria o manifesto em 2016, comprometendo-se a colaborar para que a homofobia deixasse de estar presente nas arquibancadas, mas ontem parece que isso era pura conversa. A ironia fica por conta de quarta-feira agora, 17/05, celebrar-se o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, em função de, nessa data, em 1990, a OMS ter retirado a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID). Passadas mais de três décadas, a situação parece que pouco mudou, sobretudo no multiverso dos estádios.

Após o episódio, no entanto, a indignação tomou as redes sociais, com muitos pedidos para que se puna o Corinthians de forma exemplar, seja com multas, seja com perda de pontos ou mando de campo, mas eu discordo frontalmente de querermos resolver o problema dessa forma. Punições desse tipo, no máximo, vão fazer com que a pessoa deixe de externar publicamente o que ela pensa, ou seja, que ser LGBT é, pra ela, algo terrível a ponto de servir de insulto tanto contra quem é, quanto contra quem não é.

Pensando nisso, não me parece razoável, enquanto política pública, querer que as pessoas simplesmente deixem de externar o que pensam. A proibição sozinha não é senão uma medida desesperada e o que se deseja com ela, no final das contas, é apagar a prova incontestável de que a homofobia segue viva e forte na sociedade — e, se o preconceito parar de ser esfregado nas nossas fuças nos estádios, poderemos até dizer e, quem sabe, acreditar que ele deixou de existir (o que torna ainda mais difícil o seu enfrentamento). Coisa parecida tentam fazer com o racismo, inclusive.

Além disso, fica parecendo que só a palavra "bicha" manifesta discriminação homofóbica, enquanto nada se diz sobre outras tantas frases que caberiam perfeitamente nessa classificação. Faz sentido querermos impedir a torcida de gritar, p.ex., "ei, juiz, vai tomar no cu"? Por que o juiz paraliza a partida quando a torcida mandante grita "bicha" para o adversário, mas não o faz quando ele próprio está sendo insultado? Aliás, "dar o cu" é um insulto? Se uma figura como a travesti Indianare Alves Siqueira estivesse presente nas arquibancadas, é possível que um grito alternativo fosse imediatamente puxado, denunciando o contrassenso desse xingamento: "ei, juiz, toma da polícia, porque tomar no cu eu te garanto é uma delícia".

A LGBTfobia só funciona como insulto porque, ainda hoje, parte considerável da sociedade morre de medo de conviver com LGBTs e, pior, de se imaginar LGBT. Até coisas que não necessariamente tem relação com isso apavoram o grosso da população, como é o caso das práticas que envolvem o ânus. Um homem dar o fiofó para uma mulher (seja usando um consolo, seja com o pênis que muitas delas possuem, de nascença), isso não deveria configurar homossexualidade, mas vivemos num mundo tão doentio que até brincar sozinho com consolos e plugs anais já parece bastar para etiquetarmos um homem como "gay". Sozinho, repita-se.

Espero que se tornem cada vez mais comuns ações como a de Germán Cano, que, quando ainda jogava pelo Vasco, comemorou seu gol balançando uma bandeira LGBT em 27/06/2021 (um dia antes do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+), ou como a de Tiquinho Soares, do Botafogo, que após ser eleito o craque de abril do Brasileirão 2023, poderia escolher uma instituição para receber da CBF a doação de uma tonelada de alimentos e escolheu justo o Grupo Arco-Íris (GAI-RJ), uma instituição engajada com a causa. Ações desse tipo são mais eficazes na superação do preconceito do que multas ou proibições.

Mas, na real, eu espero bem mais do que isso do futebol: espero que as pessoas que, nos estádios, aconselham árbitros e adversários a irem "tomar no fiofó" (e coisas do gênero) percebam que estão perdendo tempo em não seguir o próprio conselho que dão. Não é preciso muito esforço para descobrirem como é bom brincar na portinha de trás, basta se permitirem a experiência. A LGBTfobia só estará superada quando não tivermos mais medo de conhecer o corpo que temos e de assumir que ele todo, inclusive o fiofó, pode ser instrumento de prazer. Quando chegar esse dia, "vai tomar no cu" terá se convertido em grito de comemoração das torcidas e não mais de insulto.

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