Advogada de mulheres contra Boaventura vê padrão em denúncias
Adriana Negreiros
De Universa, em São Paulo
Em carta aberta ao CES divulgada no dia 17, Felix afirmou haver um "padrão de discriminação de gênero" nas supostas condutas inadequadas de Boaventura — todas as denunciantes são mulheres. O coletivo criou um e-mail (querocontarminhahistoriaem23@gmail.com) para receber relatos de quem tenha sido "afetada pelas práticas abusivas de Boaventura de Sousa Santos e precisa de um espaço seguro para partilhar sua história". No primeiro dia de funcionamento do canal, o coletivo recebeu uma denúncia, que está sendo apurado pela advogada.
Para Daniela Felix, o fato da obra de Boaventura ter sido reverenciada entre intelectuais de esquerda não desestimula novos relatos de assédio. "Não se pode negar a defesa das mulheres que sofreram violência porque o agressor produziu um pensamento importante para as pautas emancipatórias", disse Felix, em entrevista por escrito a 💥️Universa, cujos principais trechos estão a seguir:
💥️Universa: Pelos relatos conhecidos até agora, pode-se identificar um padrão na conduta de Boaventura apontada pelas denunciantes?
💥️Daniela Felix: Com o dossiê que estamos montando, vai ser possível indicar um padrão das práticas abusivas. Os relatos dão fortes indicativos disso.
Num contexto em que o assédio sexual faz parte das técnicas de interação do poder do professor em relação à estudante ou pesquisadora jovem, a relação profissional tem por fundamento a depreciação do valor profissional das mulheres -- que são vistas como objeto de desejo sexual.
Isso passa pela apropriação do trabalho intelectual e a naturalização do dever das pesquisadoras em assegurar a carreira do professor, seja escrevendo textos, seja se dedicando sem limites para realizar o que fosse necessário para o sucesso dele.
Não se trata de pesquisadoras remuneradas para executar essas funções, mas de uma relação abusiva que consome a energia e o talento, sobretudo das mulheres, em proveito do professor.
Dentro desse padrão, as mulheres são desproporcionalmente impactadas com a sobrecarga a frequência com que seu trabalho é desvalorizado. Naturaliza-se que tarefas domésticas possam ser entregues às pesquisadoras, como pedir que uma lhe sirva café no meio de uma atividade acadêmica ou assegure que ele tenha bananas e água durante viagens.
💥️O CES informou que, até que os casos viessem à tona, nunca havia recebido denúncias de assédio sexual. Suas clientes, no entanto, dizem que a Universidade de Coimbra tinha "amplo conhecimento" das denúncias. Como isso é possível?
É preciso rebater a retórica que indica a falta de denúncias como um indicador da inexistência de um problema. Se uma instituição acadêmica informa que seus órgãos de proteção não têm denúncias dessa natureza, é porque estão falhando na sua missão e precisam ser revistos.
Os casos apresentados até o momento reportam a situações ocorridas entre 2000 e 2023. As práticas abusivas eram de amplo conhecimento porque estavam sempre sendo comentadas por pesquisadores da instituição e eram naturalizadas, com a ideia de que era assim mesmo, a resposta padrão era aprender a não ligar, relevar e aguentar.
Os vários tipos de assédio dentro da academia se relacionam à precariedade do emprego científico; à maior vulnerabilidade das mulheres, em especial de algumas, como é o caso das estrangeiras, dependentes de bolsa, sem rede de apoios e contatos no país de acolhimento; e à naturalização das relações hierárquicas e dos papéis de homens e mulheres na produção do conhecimento científico.
As relações hierárquicas têm peso forte na validação acadêmica. Apesar das mudanças ocorridas com a entrada das mulheres em cargos nas universidades, o poder da validação do trabalho científico de estudantes ainda está concentrado nas mãos dos homens. Num contexto de vulnerabilidade e precariedade, isso pode fazer das mulheres com expectativa de construir uma carreira na academia verdadeiras reféns destes homens. Elas se seguram na esperança de que os abusos do presente vão passar caso se esforcem para progredir e avançar na carreira.
Mas, porque as relações de poder estão cristalizadas, esse avanço para as mulheres vai sendo postergado, enquanto o ciclo de abusos pode se intensificar sem interrupção.
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