Brasileira que acusa Boaventura de assédio sexual é deputada de MG

Deputada Bella Gonçalves (PSOL/MG) - Daniel Protzner AL/MG

No texto publicado em março deste ano, três ex-alunas relatam assédios de professores do mesmo centro da Universidade de Coimbra. Elas não citam nomes, mas narram abusos de poder contra "jovens pesquisadoras que dependem de aprovação acadêmica para construir suas carreiras", "extrativismo intelectual e sexual" e "impunidade". Há referências de assédios sexuais praticados por um "professor-estrela" e seu auxiliar, descrito como "o aprendiz". Um dos casos narrados é o de Bella Gonçalves, mas a identidade dela foi omitida no artigo.

Com a repercussão do artigo — e surgimento de novas denúncias de outras mulheres —, o próprio Boaventura assumiu ser o "professor-estrela". O "aprendiz" seria Bruno Sena Martins. Boaventura classificou as denúncias como "vingança" e prometeu apresentar queixa-crime contra as autoras.

Boaventura Sousa Santos - Deivyson Teixeira/Divulgação - Deivyson Teixeira/Divulgação CES - Reprodução - Reprodução

Pichação em muro da Universidade de Coimbra

A 💥️Pública questionou a assessoria da Universidade de Coimbra sobre a falta de canais de denúncia para casos de assédio e sobre o fato da instituição não ter tomado providências diante das denúncias dos estudantes, ao longo dos anos. A reportagem ainda não obteve resposta.

Desistir no segundo ano de curso significava tanto perder o doutorado como ter que devolver a integralidade da bolsa de estudos. "Eram noites sem dormir pensando em quantos euros precisaria pagar. Meu cabelo começou a cair. Minha mãe dizia que eu estava louca de abrir mão de uma bolsa no exterior."

Segundo a deputada, apesar do relato de assédio, a Capes não ofereceu alternativa para manutenção da bolsa. Mesmo assim, ela decidiu voltar para o Brasil. Pagou do próprio bolso as viagens para prestar novo processo seletivo, mas terminou conseguindo manter a pesquisa vinculada à Universidade de Coimbra, com orientação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ainda assim, arcou com os custos para o centro acadêmico português e perdeu a bolsa. Precisou voltar a trabalhar.

Por nota, a Capes informou que, em casos de assédio sexual, a ouvidoria da instituição tem "procedimentos específicos", que incluem garantir o sigilo e a proteção da identidade do denunciante, além de encaminhar denúncias para órgãos competentes. Também que, em casos ocorridos no exterior, "possibilita o retorno ao Brasil e o apoio à continuidade dos estudos em outra instituição", mas que se "o bolsista tiver recebido 48 meses de bolsa no exterior não é facultado receber bolsa para o mesmo objetivo."

"Ele [Boaventura] fez uma reunião on-line comigo para pedir desculpas. Disse que se apaixonou, que era natural entre duas pessoas adultas. Quis manter a orientação da minha tese. Não topei", conta. "Tive prejuízos psicológicos, emocionais e financeiros. Mudei de país, larguei uma bolsa de estudos, os danos são irreparáveis. Não quero desculpas, quero que ninguém mais passe por isso."

Todo o processo atrasou a conclusão do doutorado em dois anos. Em 2018, Bella Gonçalves foi aprovada com honra e louvor em ambas as universidades. Foi nesse mesmo ano que apareceram as primeiras pichações contra Boaventura, nos muros da Universidade de Coimbra. O grafite dizia: "Vá embora Boaventura. Nós todos sabemos disso". Na época, o professor veio a Belo Horizonte. "Ele me mostrou as pichações, insinuou se eu seria a pessoa por trás", conta Gonçalves.

Bella Gonçalves, que é cientista política, foi eleita vereadora em Belo Horizonte e, em 2022, se tornou deputada estadual por Minas. "Sou uma mulher de movimentos sociais, que faço denúncias de tudo quanto é jeito, mas não encontrei nenhuma saída para denunciar o assédio que sofri. Estava presa a uma teia de poder maior". Ela diz que a "retaliação sobre as mulheres no ambiente acadêmico é profunda". "Professoras não podem falar porque vão ser demitidas, alunas são silenciadas por medo de não conseguirem se formar".

A deputada prepara um Projeto de Lei para tornar obrigatória a construção de canais de suporte psicológico e denúncias de assédio em universidades e institutos de pesquisa de Minas Gerais. Ela pretende levar a discussão ao Congresso Nacional, via bancada do PSOL. "A Capes e o CNPQ precisam ter esses canais. É inadmissível a interrupção de programas de pesquisa por situações de assédio. Não é apenas sobre o caso de Boaventura. É sobre vários professores que mantêm a mesma conduta".

Esta matéria foi publicada originalmente na 💥️Agência Pública: https://apublica.org/2023/04/deputada-brasileira-denuncia-assedio-sexual-de-boaventura-durante-doutorado/

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