Filme da Netflix mostra marcas que ficam na mulher e no homem após abuso

Cena da série "Em Busca de Mim", da Netflix - Divulgação/Netflix

A atividade sexual é uma maneira de ressignificar o abuso, mas, muitas vezes, coloca a pessoa em situações novamente abusivas, reforçando conflitos não elaborados.

O sexo impulsivo e pouco responsável com frequência deixa rastros devastadores na vida pessoal e nas relações familiares e afetivas: "Um dia transei, em casa, com o melhor amigo do meu marido" —spoiler de uma conversa da protagonista com outra participante.

Sem qualquer avaliação moral, no contexto da sua história, a frase revela o comportamento sexual de risco que ela assume na vida, movida pela sua fragilidade emocional. O discurso que ela proclama, o da mulher livre que gosta de sexo, não se sustenta ao longo do filme: ela é vulnerável, ela é quase compulsiva e, ao mesmo tempo, busca nos homens saciar o desejo implacável —mais deles, a meu ver, do que dela de fato.

Busca também o reconhecimento da pessoa que é, que merece cuidado, afeto e consentimento.

Ela foge do estigma da mulher "puta" —a palavra é repetida no filme algumas vezes—, ao mesmo tempo que reproduz comportamentos estereotipados que a fazem ser vista como representante desse papel social.

"Em Busca de Mim" é um título acertado, pois revela a sensação de estar perdido, cindido, com a fenda do trauma atravessada na alma.

Em segundo plano, dois homens que também foram abusados lutam para acomodar a submissão diante de figuras de poder. É devastador observar como o comportamento sexual deles é acometido pela impossibilidade de conexão. De modos distintos, se mostram regredidos diante do afeto e do sexo, aprisionados as figuras de seu passado.

Embora o filme foque no abuso sexual que é acometido contra a mulher, achei fundamental darem visibilidade ao assunto por meio desses dois personagens.

Relacionamentos violentos: as consequências na vida amorosa

Fiquei pensando como ainda é difícil, inclusive no que diz respeito à aceitação do público, narrar visualmente a violência sexual que acontece com meninos, púberes, adolescentes e homens, como se essa fragilidade não pudesse ser desvelada. Poucos filmes e séries se arriscam nesse sentido.

Na série "Outlander", a cena de estupro que sofre o protagonista, um homem adulto, com todas as características da masculinidade (forte, corajoso, másculo), encaminha o personagem para uma ambivalência identitária: como prosseguir sendo homem tendo sido penetrado por outro homem? É forte, é angustiante, é depressivo, mas é também parte de um sintoma social, e essa reflexão é necessária.

Raiva e culpa muitas vezes caminham lado a lado na esfera emocional de quem sofre qualquer tipo de violência sexual. Principalmente as mulheres, que vivem em culturas que fomentam o estupro pela objetificação do corpo feminino, são as mais atormentadas pelas fantasias de provocação e permissão, mesmo que expliquemos a realidade: crianças não provocam sexualmente com consciência erótica, mulheres podem desejar sensualidade, sem de fato quererem fazer sexo com alguém, pessoas em situação de violência podem, simplesmente, congelar, como uma forma instintiva de defesa pessoal.

Quem acolhe vítimas de violência sexual sabe como é difícil ajudá-las a se livrarem da culpa, esse sentimento que, nesses casos, é uma narrativa social construída com a única finalidade de acobertar os agressores e manter as agressões.

"Em Busca de Mim" é um filme importante, que tenta abordar um conteúdo difícil também pela lente do humor. Aliás, as cenas engraçadas funcionam como uma forma de dar conta da dor —tanto para os personagens como para os espectadores. É aquele humor que nos salva diante das trágicas contingências da vida.

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