Milhares de anos de alterações climáticas em análise no Museu do Côa
As alterações climáticas ocorridas há milhares de anos, no fim do Paleolítico Superior, e a sua influência no quotidiano destas comunidades dominaram ontem os encontros de investigadores europeus, na abertura do III Côa Symposium, no Museu do Côa.
“O nosso objetivo é perceber qual o impacto das alterações climáticas verificadas há mais de 12 mil anos na sociedade dos caçadores/recoletores do Vale do Côa, mas também fazer uma comparação com outras regiões de Espanha e França para verificar este impacto no modo de vida das comunidades”, explicou à agência Lusa o coordenador científico da Fundação Côa Parque (FCP), Thierry Aubry.
Esta partilha de conhecimento entre arqueólogos e outros investigadores e académicos vindos de Espanha e França está inserida no III Côa Symposium, que decorre até sábado no Museu do Côa, em Vila Nova de Foz Côa, no distrito da Guarda, sob o tema “Alteração Climática e Adaptação Humana: A transição do Pleistocénico para o Holocénico”.
“Trata-se de um tema de grande atualidade, no qual os estudos realizados no Vale do Côa podem dar um relevante contributo para as alterações climáticas verificadas há milhares de anos”, defende o também arqueólogo.
Segundo Thierry Aubry, é preciso entender quais são as problemáticas do estudo da arte (gravura e pintura) depois da era glaciar, com uma abordagem global para perceber o que é importante nas mudanças estilísticas dos artistas do Paleolítico Superior e do seu modo de vida.
“O Vale do Côa demonstra cada vez mais que, ao longo de milhares de anos, teve uma ocupação humana contínua, e cada vez que temos uma nova descoberta, tapamos ‘pequenos buraquinhos'” no vazio desse conhecimento & “um vazio” que diz mais respeito à investigação que se impõe fazer, do que ao “vazio de ocupação humana” do Côa, defendeu o investigador da FCP.
Segundo os investigadores, no Vale do Côa, há elementos que provam a ocupação deste território, desde o homem Neandertal até aos dias de hoje.
“Temos a sorte destas comunidades terem deixado imagens, que nos transmitem o que estas pessoas tinham na mente através da expressão gráfica. É fabuloso ter esta continuidade, e sobretudo na questão das alterações climáticas, em relação à sociedade atual, em que podemos ter pontos de comparação. Porque é que uma sociedade modificou o seu modo de vida [em função das alterações climáticas]? As respostas podem estar nos dados arqueológicos”, vincou Thierry Aubry.
O investigador disse à Lusa que as alterações climáticas se verificam ao longo de milhares de anos, por vezes com consequências drásticas. No período do Paleolítico Superior, defende, havia mudanças rápidas no clima.
“Durante o fim do Paleolíticos Superior houve mudanças drásticas na temperatura média e estamos a ver uma sociedade estável e com poucas mudanças técnicas, onde a arqueologia pode ensinar muito, visto que a cultura tem muitas vezes soluções para se adaptar. Há pontos de comparação do passado que são essenciais para definir uma estratégia a longo prazo nas decisões urgentes que têm de ser tomadas na nossa sociedade atual”, indicou.
Segundo o coordenador científico da FCP, “há 12 mil anos”, durante um período de 50 anos, houve alterações drásticas do clima, com impacto nas temperaturas médias, que subiram, e nas condições hidrológicas. E recordou: “Estamos a falar de uma sociedade de caçadores/recoletores que dependem destas mudanças climatéricas”.
Por seu lado, a investigadora e arqueóloga da Universidade de Lisboa Ana Cristina Araújo disse que o trabalho de investigação feito no Parque Arqueológico Vale do Côa é de “primeira linha”.
“Está-se a desenterrar um passado milenar sobre o qual podemos aprender não só a gerir o presente, mas também a planear o futuro, porque a arqueologia não é só descobrir objetos, mas desenterrar culturas [e perceber] cenários ambientais que são informação preciosa para podermos enfrentar, hoje, aquilo que se está a passar em termos de alterações climáticas”, explicou a também técnica do Laboratório de Arqueociências do Património Cultural.
A ACOA & Amigos do Parque e Museu do Côa, por seu lado, um dos parceiros do Symposium, avançou que desde 2009 tem procurado divulgar o Côa e contribuir para a salvaguarda da Arte Rupestre.
“Nos primeiros anos da sua existência”, a ACOA “apoiou a abertura do Museu, realizando várias iniciativas de promoção do território em conjunto com a Fundação Côa Parque”, disse à Lusa a geóloga Sílvia Aires, desta associação. “A partir de 2015, com o desenvolvimento do projeto Arquivo de Memória, a ACOA passou a divulgar no exterior esta iniciativa que nasceu no Côa e, dessa forma, a levar a história oral e as memórias dos habitantes desta região a muitos pontos do país, a congressos e encontros académicos”.
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