Tecnologia das vacinas Covid-19 é chave para combater superbactéria que causa milhares de mortes todos os anos, revela novo estu
A tecnologia de ARN-mensageiro (ARNm), que se tornou mundialmente famosa graças às vacinas contra a covid-19, poderá agora ser uma nova esperança na luta contra uma perigosa superbactéria. Investigadores dos Estados Unidos e do Canadá demonstraram que esta tecnologia inovadora pode ser aplicada para combater a Clostridioides difficile, uma bactéria resistente a antibióticos que causa milhares de mortes anuais.
Entre os responsáveis pela investigação está Drew Weissman, recentemente galardoado com o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 2023, pelas suas contribuições para o desenvolvimento das vacinas de ARNm que ajudaram a controlar a pandemia de covid-19. O estudo, publicado na revista Science, foca-se numa nova aplicação desta tecnologia para enfrentar a Clostridioides difficile, uma das principais infeções hospitalares, com especial destaque para a sua resistência crescente aos antibióticos.
A Clostridioides difficile é conhecida por provocar problemas intestinais graves, como diarreia e colite, que podem ser fatais. Estima-se que esta bactéria seja responsável por cerca de 8500 mortes anuais na Europa e aproximadamente 29 mil nos Estados Unidos. “A Clostridioides difficile é uma grande ameaça para a saúde pública global, causando uma vasta gama de distúrbios gastrointestinais”, explicou Joseph P. Zackular, investigador na Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia e autor do estudo, em declarações ao jornal Público.
O professor Zackular salientou que os esforços anteriores para desenvolver vacinas contra esta bactéria não foram bem-sucedidos, o que evidenciou a necessidade de novas abordagens. “Vimos uma oportunidade de aplicar a tecnologia de ARNm a este problema persistente, na esperança de ter um impacto significativo numa doença que afeta tantas pessoas”, sublinhou, recordando o sucesso global das vacinas de ARNm contra a covid-19.
A complexidade da Clostridioides difficile reside no seu comportamento multifacetado no intestino. Segundo Zackular, a bactéria pode existir como uma célula ativa que produz toxinas no intestino grosso ou formar esporos dormentes, altamente resistentes aos tratamentos convencionais. As vacinas anteriores, baseadas em toxinas inativas da bactéria, mostraram-se promissoras, mas nenhuma chegou a ser disponibilizada para uso clínico. Atualmente, a única opção terapêutica para os pacientes continua a ser um longo curso de antibióticos.
No entanto, as vacinas de ARNm abrem novas possibilidades. De acordo com Zackular, estas vacinas são altamente imunogénicas, o que significa que podem gerar uma forte resposta imunitária nas mucosas, algo crucial para combater agentes patogénicos como a Clostridioides difficile. Além disso, o ARNm permite a incorporação de múltiplos antigénios numa única vacina, o que possibilita atingir vários fatores de virulência da bactéria ao mesmo tempo.
O estudo realizado pela equipa de investigadores demonstrou a eficácia das vacinas de ARNm em modelos animais. A vacina foi capaz de provocar uma resposta imunitária duradoura e robusta, tanto no sangue como nas mucosas, essenciais para combater a bactéria. “Descobrimos que a vacina gerou respostas imunitárias robustas e duradouras em vários modelos animais”, referiu Zackular, sublinhando a importância dos resultados, especialmente na luta contra infeções recorrentes, um dos maiores desafios clínicos com esta bactéria.
A vacina criada pelos investigadores é multivalente, ou seja, visa vários aspetos do ciclo de vida da Clostridioides difficile, incluindo proteínas associadas às células bacterianas e aos esporos. Zackular acredita que este estudo estabelece uma base sólida para o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a bactéria, capaz de prevenir infeções e melhorar o tratamento dos doentes já infetados.
Os investigadores estão agora a trabalhar em novos alvos antigénicos para melhorar a imunogenicidade da vacina e em reforçar a imunidade nas mucosas, áreas-chave para a proteção contra infeções intestinais. O próximo passo será avançar para ensaios clínicos, com a esperança de que esta nova vacina possa eventualmente estar disponível para uso em humanos.
“A nossa esperança é que esta tecnologia possa revolucionar a forma como combatemos as infeções bacterianas, especialmente num cenário de resistência crescente aos antibióticos”, afirmou Zackular, reforçando o potencial das vacinas de ARNm em áreas além da covid-19. A mesma tecnologia está a ser investigada para outras aplicações, como a prevenção da doença de Lyme, o tratamento da anemia falciforme e até o combate ao cancro.
O desenvolvimento das vacinas de ARNm tem raízes profundas. Descoberto em 1961, o ARN-mensageiro é uma molécula que copia as instruções genéticas do ADN para outras partes da célula, onde são produzidas proteínas. Durante décadas, os cientistas tentaram criar formas sintéticas de ARNm para terapias, mas o corpo humano tendia a rejeitar o material genético como uma ameaça, ativando o sistema imunitário. Foi apenas em 2005, quando a húngara Katalin Karikó e o norte-americano Drew Weissman descobriram uma forma segura de usar o ARNm, que a tecnologia avançou significativamente.
Hoje, com o reconhecimento do Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina, a importância desta descoberta está mais clara do que nunca. “As vacinas de ARNm deram-nos uma nova ferramenta para combater infeções bacterianas complexas”, conclui Zackular, destacando o impacto das colaborações científicas na criação de terapias inovadoras e na rapidez com que estas podem ser desenvolvidas.
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