Evangélico pode ser traficante?

Na década de 1990, houve uma onda de cultos evangélicos em que ex-traficantes davam o seu testemunho. Estive em alguns deles. A história de pessoas que tinham elo com o tráfico me impactava. Os enredos divergiam, mas o desfecho era sempre o mesmo. A conversão religiosa levava aqueles homens a abandonarem o tráfico e a seguirem uma nova vida.

No início deste mês, o chefe de uma facção no Rio de Janeiro determinou o fechamento de igrejas católicas numa região chamada Complexo de Israel. Segundo moradores, o traficante é evangélico. Não consigo evitar me lembrar daqueles cultos da década de 1990. Antes, porque convertido, o sujeito virava ex-traficante. Hoje, apesar de traficante, vira evangélico.

Como líder religioso, o tema me sensibiliza. Há alguns anos acompanho as contribuições acadêmicas sobre essa relação entre a fé evangélica e o tráfico. O trabalho das pesquisadoras Christina Vital e Viviane Costa, por exemplo, me ajuda a entender o fenômeno narcorreligioso na capital carioca. Mas minha angústia é pastoral. Como uma pessoa pode estar na igreja e no tráfico?

Cada um escolhe no que acreditar. Nesse sentido, o traficante pode ser evangélico. A pergunta é se um evangélico pode ser traficante. Não consigo imaginar uma pessoa em um aconselhamento pastoral me dizendo que quer entrar para o tráfico. Em quase duas décadas como pastor, nunca passei por isso.

Apesar de plural, o campo evangélico sempre esteve vinculado a um tipo de moralidade oposta ao que o tráfico representa. A maioria dos evangélicos julga incompatível a ideia de um adepto da sua religião ser traficante. Mesmo assim, aumentam episódios como esse. O que explica esse fenômeno?

O crescimento evangélico na sociedade brasileira é acelerado. Sua expansão não passa apenas pela experiência da conversão. Muitas pessoas se tornam evangélicas por adesão. Não é detalhe. No imaginário religioso, a conversão é representativa de mudança de vida. É mais do que se identificar com um grupo, ou estar junto dele. Tem a ver com permitir que a vida seja moldada a partir da sua nova crença.

Quando um traficante se declara evangélico, a primeira pergunta entre os fiéis é se ele abandonou o tráfico. Essa é a prova de que ele se converteu. Na Bíblia, seria como Saulo de Tarso virando o apóstolo Paulo. Ou como Zaqueu, um coletor de impostos corrupto dizendo, depois de se encontrar com Jesus, que restituiria as pessoas que lesou.

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