EUA espionam pessoas mundo afora, diz advogado que processou autoridade de dados europeia

A NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) percebeu que, se cinco grandes empresas americanas detêm quase todos os dados do mundo, seria esforço em vão espionar as pessoas individualmente. "Bastaria se conectar a esses conglomerados e obter os dados de todo mundo", diz Max Schrems, 36, o fundador do Centro Europeu de Direitos Digitais, conhecido como Noyb (um acrônimo para "none of your business", ou "não é da sua conta", em inglês).

Schrems ganhou projeção na Europa em 2013 por causa de uma reclamação contra falhas de segurança na transmissão de dados de europeus para fora do velho continente. O documento foi protocolado junto ao regulador de proteção de dados da Irlanda —onde estão instaladas a maioria das big techs na Europa. A principal fonte da petição foram os vazamentos do WikiLeaks.

O caso foi levado em 2017 à Corte de Justiça da União Europeia (CJUE), que, em 2023, decidiu a favor do advogado austríaco e invalidou o protocolo de transmissão de dados de território europeu para americano.

"Nos EUA, é a Quarta Emenda que protege a privacidade das pessoas contra a espionagem do governo", diz Schrems. Esse trecho da Constituição americana limita o poder do Estado no cumprimento de mandados de busca e apreensão, em nome da privacidade do lar —o que depois foi generalizado para redes telefônicas e de internet. "O grande problema é que a Quarta Emenda se aplica apenas aos cidadãos americanos."

O fundador do Noyb está no Brasil para o encontro latino-americano da entidade CPDP (Computadores, Privacidade e Proteção de Dados). Ele participa da plenária final, transmitida no YouTube, às 16h30. Em debate, estarão a gestão de dados na América Latina e privacidade em tempos de inteligência artificial.

O sr. pode me dizer o que o motivou a processar o regulador europeu no caso sobre o risco de espionagem americana?
Temos todas essas leis de proteção de dados, mas as grandes empresas de tecnologia americanas, especialmente, parecem seguir nenhuma delas. Basicamente, esses conglomerados as ignoram.

O problema tem a ver com vigilância estatal. Não é só o Google, o Facebook ou a Apple. Os americanos estão espionando. As revelações de Snowden em 2013 mostraram que NSA percebeu que, se as quatro ou cinco grandes empresas americanas detêm quase todos os dados do mundo, não era mais necessário espionar individualmente cada um. Bastava contatar alguma dessas grandes empresas e conseguir os dados de todo mundo.

Essa foi a litigação mais proeminente que fizemos. Durante os casos "Schrems I" [contra Facebook na autoridade irlandesa] e "Schrems II" [contra autoridade irlandesa na CJUE], nós conseguimos que a Corte de Justiça da União Europeia dissesse: ‘Você não pode simplesmente transferir dados para os EUA se soubermos que eles acabam nos sistemas de vigilância dos EUA.’

Essa questão está definida?
Isso agora é uma batalha entre o tribunal dizendo não e a Comissão Europeia passando o mesmo acordo de novo e de novo. Em suma, o tribunal diz não e o governo então devolve o mesmo acordo feito com os americanos por pressão política.

Agora, estamos na terceira rodada porque temos esse jogo de pingue-pongue. Eles mudam algumas linhas e dizem ‘oh, agora é um novo acordo’ e o tribunal não apreciou o novo acordo.

Eles poderiam espionar as pessoas porque não somos protegidos pela Constituição deles, certo?
Exatamente. É realmente interessante que concordamos em privacidade quando se trata de governança entre a UE [União Europeia] e os EUA [o mesmo ocorreria no Brasil, em que a proteção de dados é direito constitucional]. Nos EUA, é a Quarta Emenda que protege a privacidade das pessoas contra a espionagem do governo, mas o grande problema é que a Quarta Emenda se aplica apenas aos cidadãos americanos. Concordamos no nível de proteção, apenas discordamos que deveria se aplicar a todos.

Por que essa diferença?
Na Europa, é algo histórico. Também tínhamos direitos dos cidadãos até a Segunda Guerra Mundial. Passamos, então, para os direitos humanos, que se aplicam a qualquer humano, não importa sua cidadania ou status e assim por diante. E os EUA ainda estão historicamente no antigo sistema de direitos dos cidadãos apenas. Isso é problemático quando falamos de uma internet global e de uma rede global. Assim, cerca de 200 outros países ficam desprotegidos em relação ao destino dos dados.

O que você está lendo é [EUA espionam pessoas mundo afora, diz advogado que processou autoridade de dados europeia].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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