Combinação de ferramentas e culinária com gafanhotos mostram cultura diversificada dos macacos-pregos

Para quem está acostumado a ver macacos-pregos em qualquer zoológico, horto florestal ou pedacinho de mata Brasil afora, talvez seja difícil se dar conta de como esses bichos são extraordinários. Mas não é por acaso que eles se tornaram o equivalente de um vira-lata caramelo entre os símios do Novo Mundo. A flexibilidade comportamental e cultural é um dos prováveis segredos de tanto sucesso, permitindo que eles se sintam igualmente em casa entre os paredões de arenito da serra da Capivara (PI) ou em cima da rede elétrica do meu bairro no interior paulista.

Tem gente que ainda levanta objeções ao uso do adjetivo "cultural" (como na frase acima) quando falamos de primatas não humanos. A discussão teórica sobre o tema é muito mais caudalosa do que aquilo que cabe dentro das quatro linhas desta coluna, mas uma coisa me parece inegável: diferentes grupos de macacos-pregos usam soluções "tecnológicas" e comportamentais distintas em seu cotidiano. O emprego dessas soluções é transmitido para as gerações seguintes daquele grupo por meio do aprendizado. E isso se parece um bocado com a "cultura material" humana.

Nas últimas décadas, cientistas brasileiros têm mapeado os detalhes dessas culturas símias, e o que eles estão revelando apresenta paralelos intrigantes com os pacotes tecnológicos que encontramos entre os parentes vivos mais próximos da humanidade, os grandes macacos (chimpanzés, gorilas e orangotangos).

Tal como os chimpanzés, por exemplo, os macaquinhos deste lado do Atlântico usam pedras ou raízes de árvores numa técnica do tipo "bigorna e martelo" para quebrar coquinhos, por exemplo. Empregam galhinhos para uma série de finalidades. E dois novos estudos revelam um repertório ainda mais amplo.

No periódico Scientific Reports, Tatiane Valença e seus colegas da USP mostraram que os macacos do Parque Nacional Ubajara (CE) combinam o uso de pedras e gravetos para capturar aranhas que vivem em tocas. A pedra é usada para reduzir a profundidade da toca dos aracnídeos, enquanto os pauzinhos servem para arrancar a aranha ou sua ooteca (uma "sacola" de ovos) de dentro do buraco —ao que parece, para os símios cearenses, a ooteca é uma iguaria.

Outro estudo na revista Primates, que tem como primeiro autor Henrique Rufo, também da USP, revelou uma curiosa técnica "culinária" dos macacos-pregos da serra da Capivara. Eles costumam devorar um tipo de gafanhoto que lembra o célebre bicho-pau (embora não seja um), imitando a aparência de um graveto. O único problema é que o inseto, por sua vez, costuma se alimentar de plantas tóxicas como forma de traumatizar seus predadores com o gosto pouco palatável e, assim, minimizar o risco de ser comido.

Bem, os símios do Piauí aparentemente aprenderam a dar uma banana para essa tática. O que eles fazem, antes de comer os gafanhotos, é arrancar seu trato digestivo —justamente o local onde se concentram as substâncias tóxicas. Mais interessante ainda, os filhotes gastam mais tempo do que os adultos nesse processo de "retirada da barrigada" dos insetos, o que indica que se trata de um procedimento aprendido ao longo da vida.

Note que, embora obviamente haja coisas em comum entre os diferentes grupos —afinal, trata-se da mesma espécie—, as estratégias culturais dos bichos evoluem de forma independente e são transmitidas de forma flexível, por meio do aprendizado. E pode ter certeza que essa é só a ponta do iceberg: nossos macaquinhos vira-latas hão de nos surpreender ainda mais.

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