Mudança em norma sobre água alternativa terá impacto de R$ 55 bi para consumidor, diz associação

Uma resolução da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) que muda o entendimento sobre uso de recurso hídricos alternativos, como água subterrânea, terá impacto de ao menos R$ 55 bilhões ao ano para o consumidor, segundo cálculos da Abas (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas).

A resolução em questão é de número 192, de 8 de maio deste ano, e tem por objetivo aprovar a Norma de Referência nº 8/2024, que trata sobre as metas progressivas de universalização de abastecimento de água e de tratamento de esgoto.

De acordo com interpretação da Abas, a resolução vai no sentido contrário do objetivo da norma de universalização do abastecimento ao proibir o uso de água subterrânea em locais onde há disponibilidade de rede pública de saneamento.

A norma diz que "na ausência de disponibilidade de redes públicas de abastecimento de água ou esgotamento sanitário, são admitidas, para fins de universalização, soluções alternativas adequadas".

Procurada pela 💥️Folha, a ANA, por meio de seu coordenador de regulação de água e esgoto, João Geraldo Ferreira Neto, diz que entende "que é necessário, sim, que todo domicílio onde há disponibilidade de rede tenha ligação com a rede pública".

Ferreira Neto, porém, afirma que "não é proibido o uso de fontes alternativas de água potável nos casos de edificações não residenciais e condomínios". Ou seja, apenas no caso de estabelecimentos comerciais a agência apoia o uso de poços e outras alternativas de abastecimento de água.

A Abas, contudo, diz que isso não está especificado na resolução e traz insegurança para o segmento. Segundo o geólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) Ricardo Hirata, que já foi assessor em águas subterrâneas do Banco Mundial e é vice-presidente da Abas, a água extraída por meio de poços é uma importante alternativa para conferir segurança hídrica às cidades.

Ele chama atenção para o fato de o Brasil não ter água superficial suficiente nos grandes centros urbanos para o abastecimento das populações. Por isso, segundo Hirata, a redundância de recursos garante segurança para a sociedade, especialmente neste momento de mudanças climáticas e crises como a do Rio Grande do Sul.

O professor da USP exemplifica isso com o que aconteceu em São Paulo na grande crise hídrica de 2014. Hoje, a água subterrânea responde por 10,5% do total do abastecimento na região metropolitana de capital paulista. Mas em 2014 esse contingente chegou a 25%, o que contribuiu para a operação de toda a infraestrutura da cidade, como hospitais, aeroportos, rodoviárias e hotéis.

A estimativa da Abas de impacto de R$ 55 bilhões na sociedade brasileira com a restrição de uso de aquíferos foi feita com base em dados de um levantamento sobre água subterrânea feito em 2023 por pesquisadores do Instituto de Geociências da USP.

Ela leva em conta a taxa que os consumidores de água subterrânea teriam que passar a pagar para as companhias de abastecimento de água. Hoje, não há a intermediação de empresas para o uso de poços, o que diminui as despesas com o recurso.

Além de afetar residências e estabelecimentos comerciais que fazem uso direto do recurso em um cálculo que chega a R$ 31,6 bilhões, a resolução da ANA também pode afetar indiretamente a população como um todo, porque poderá impactar os preços dos produtos de empresas que dependem de água subterrânea em sua produção. A Abas calcula que o abastecimento industrial pode ser impactado em R$ 23,5 bilhões com a medida.

Segundo Hirata, que participou do levantamento, os efeitos da resolução da ANA podem ser ainda maiores, já que o cálculo da Abas foi feito sobre uma base de dados conservadora.

"É o único dado disponível que nós temos hoje, que são dados mais confiáveis. Mas se você for perguntando dentro da comunidade de pesquisadores, eles vão dizer que os números são pequenos, que deveriam ser bem maiores", diz.

RECURSO INVISÍVEL

A água subterrânea fica abaixo da superfície do solo e preenche os poros das rochas e dos sedimentos, constituindo os chamados aquíferos. Mas não é só por estar fisicamente escondido que o recurso fica fora da vista das pessoas.

Hirata diz que, economicamente, a água subterrânea também é invisível para gestores, economistas e políticos. Isso devido à dificuldade de se mapear o uso dos aquíferos. O pesquisador estima que cerca de 80% dos poços artesianos são clandestinos no Brasil.

Esse fator dificulta a governança desse recurso, que hoje existe em abundância no Brasil, já que ele não se perde com efeitos climáticos como o da seca e das enchentes que contaminam a água superficial, como está ocorrendo no Rio Grande do Sul.

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O professor Hirata destaca que, mesmo que não chova por dez anos e essa água subterrânea não seja abastecida, ela continuará protegida e intacta, a menos que haja uma contaminação no solo.

Das águas doces e líquidas que existem hoje no planeta, a água subterrânea representa 97% do total, o que torna os aquíferos o maior reservatório de água potável da humanidade, segundo consta no levantamento da USP:

No Brasil, 52% dos municípios são abastecidos por águas subterrâneas ou uma mistura delas, e 36% exclusivamente por esse recurso. São mais de 2,5 milhões de poços tubulares mapeados no país, que bombeiam um volume de água que supera 557 m³ por segundo, ou 17.580 m³ por ano.

A maior parte da água subterrânea extraída por meio de poços no país hoje está nas mãos privadas. No sistema integrado da Sabesp na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, apenas 1% da água consumida é proveniente de poços.

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