"Temos de administrar bem a nossa pequenez"

💥️Começamos, claro, pela data redonda que está agora a começar, o festejo em 2024 dos 50 anos do 25 de Abril.  O senhor, que foi um protagonista na altura, como olha para aquilo que se fez ao longo destes 50 anos? Acha que valeu a pena? Ou estamos mais ou menos na mesma, levando em linha de conta o devido passar do tempo?

Eu acho que estamos mais ou menos na mesma, mas mais velhos. 

💥️Mas o país não mudou? 

 O país mudou, mudou radicalmente. Mas deixe-me citar Adriano Moreira: «Na impossibilidade de mudar de povo, é capaz de ser melhor mudar de regime».

💥️O que quer dizer com isso?

O Dr. António Costa tem toda a possibilidade de ser presidente, e queria ser presidente do Conselho Europeu. Todos os fatores convergem nesse sentido. Agora fala da estabilidade. Não há nada mais contrário à democracia do que ter medo de eleições. E, na situação atual, tanto o Presidente, como o líder do PSD, como o líder do PS, não querem eleições e consideram as eleições um fator de instabilidade. E ainda se atrevem a citar a Inglaterra, que não hesita em fazer eleições em duas semanas, tantas vezes quantas as necessárias.

💥️Embora normalmente costumem cumprir os mandatos.

Normalmente. Quer dizer… 

💥️Substituem os primeiros-ministros sem o recurso a eleições…  

Está bem, mas, quer dizer, as coisas mudam. Em Portugal não muda nada. E as sondagens – que todos os políticos dirão que valem o que valem, mas todos têm medo e ligam imensa importância às sondagens – refletem isso mesmo. Toda a gente acha que o Governo é mau e que os ministros, alguns pelo menos, deviam ser substituídos. Mas o Governo não. E eleições não. Portanto…

💥️Acha que estamos num beco sem saída? 

 Não será sempre? Substituir pessoas é normalíssimo e próprio da vida. Os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis. Mas parece que o povo não quer. E a elite política também não, e só liga ao futebol.

💥️Mas acha que os portugueses dão pouco valor à democracia ou que fizeram pouco com ela? 

Fizeram pouco, quase nada. Julgo que o país mudou, de facto mudou para melhor. Mas do meu ponto de vista está pior no que respeita aos valores. 

💥️Mas vivemos melhor hoje do que vivíamos, o problema não é o 25 de Abril?  

Concerteza que sim. Mas o problema não é só isso. Em 74 tínhamos uma guerra. E uma das razões da revolução foi exatamente a guerra que ao fim de 12 anos o poder político não teve capacidade para resolver. Uma guerra nunca tem uma solução exclusivamente militar, tem de ter uma solução política e ao fim de 12 anos era mais do que tempo para haver uma solução política. O Governo de antes de 74 não foi capaz de o fazer. Terá tido muitas razões. Agora, os historiadores hão-de dissertar sobre o assunto. Mas o que acho é que o povo português perdeu os seus valores, porque o nosso único valor neste momento é o lucro económico, é o dinheiro.  Mas não estamos muito mais ricos. A questão não é redutível a Portugal, só que nós, em termos económicos, somos granito. Visto de Bruxelas, Portugal é uma floresta com praias. Portanto, nós temos indústria de papel, nós temos madeiras e nós temos turismo. Agora, não temos matérias-primas, não temos minérios. Temos agora o lítio, mas com uma grande confusão na sua aplicação. Em resumo, somos um país de pobres. 

💥️Não encontrámos um modelo económico? 

Não. Estamos o tempo todo a ouvir os cientistas políticos. Eu pergunto: o que é que um cientista político faz para ganhar a vida? Dá aulas a outros cientistas políticos, escreve livros, mas é preciso, realisticamente, que esses livros acrescentem qualquer coisa à Ciência Política, ou seja, tenham êxito. É preciso imprimir e terem leitores que os comprem. E Portugal não é suficiente para isso. Portanto, estes cientistas têm de ir para fora ou vão para caixas de supermercado. O que se observa é que há uma população mais culta e é melhor assim, mas não conseguiremos viver com um nível de vida bom, que todas as pessoas ambicionam. 

💥️Esse é um dos problemas mais graves, as novas gerações têm boa formação também noutras áreas, até mais científicas, mas vão para fora porque aqui não encontram trabalho e rendimento adequado à sua formação. Isso, do seu ponto de vista, tem a ver com a dimensão do país ou com um país que não encontrou um modelo de desenvolvimento?

São todas essas coisas juntas.

💥️Mas, na Irlanda, que viveu os mesmos problemas e que é um país da nossa dimensão, isso não acontece? 

Mas se calhar somos um país sem solução. Basta refletir um bocadinho sobre o aeroporto que temos discutido desde 72. A nova pista para substituir a Portela. E eu tenho uma opinião revolucionária que tem o apoio de muita gente. A nova pista em Portugal não é precisa, já está construída. É a pista de Barajas em Madrid. E pergunta: como é que se vai para Lisboa? De comboio.

💥️Mas isso não é lá muito patriota…

Patriota? Mas então estamos a falar de que queremos a União Europeia. Queremos a globalização, ou queremos fechar-nos num retângulo? Queremos ter todas as valências dignas na sociedade do século XXI? Não temos recursos para isso. 

💥️Acha que uma aliança com Espanha, que sempre foi tão temida ao longo da História, neste momento é o caminho mais viável?

O problema da União Ibérica é um problema que existe desde que nós existimos. E é uma questão que se coloca ciclicamente. Cada vez que estamos mal. Vou citar o Dr. Mário Soares, que, quando esse problema se levantou na década de 80, respondeu: isso é um problema que não existe. Não vale a pena discutir. Já está. Como já está? Já está, porque estamos os dois na União Europeia.  Tinha toda a razão. Porque, se vir, quando a Espanha fala em Bruxelas, fala em termos de Península Ibérica. Quando nós falamos, temos de falar solidários com a Espanha. Mesmo quando nós fazemos alarde com a CPLP, chocamos com a realidade, porque nós não temos preponderância. Nós, Portugal, não temos preponderância na CPLP, porque quem manda na CPLP é o Brasil e Angola. Portanto, acho que temos de administrar bem a nossa pequenez. Portanto, estamos aqui no mundo.  

💥️Deixe-me fazer uma pergunta prática: uma das discussões mais importantes do momento é a venda da TAP e o argumento que mais se utiliza é que não pode ser o grupo da Ibéria a comprar, porque de outro modo deixamos de ter aqui o famoso ‘hub’ de Lisboa. Isto para si é um problema artificial?

Completamente. Completamente demagógico. A TAP é para mim o símbolo do último resquício do império. Isto é a política portuguesa. A TAP é vista pelos políticos como o último pedaço do império colonial português. Ora, no ambiente atual, a TAP tem de dar lucro. A TAP tem de ser uma empresa de aviação viável, certo? Portanto, tem de se juntar a uma companhia maior ou a um grupo de companhias. Se a Ibéria está nessas condições, porq ue não há-de ser? Não vejo razão nenhuma. A própria Ibéria também tem um grupo de empresas de aviação. Lembro-me que a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, há dezenas de anos que tinham – não sei se ainda têm – uma companhia aérea comum, e não deixaram de ser a Dinamarca, a Noruega e a Suécia. 

💥️Portanto, nós temos um problema de autorreconhecimento de nós próprios e da nossa dimensão?

Exatamente.

💥️E acha que se o dr. Mário Soares fosse vivo não seria um opositor à solução Ibéria, fazendo jus ao que disse nos anos 80? 

Isso depende das circunstâncias políticas do momento. Isso, para o Dr. Mário Soares… lembro-me sempre de um jornalista que lhe perguntou sobre determinado assunto e ele respondeu. Mas o jornalista insistiu: mas o dr. já disse o contrário. E ele perguntou: mas quando é que eu disse o contrário? E o jornalista: foi ontem. E o Soares respondeu: Ah, ontem…   A verdade é que o PS nacionalizou a TAP que o PSD e CDS privatizaram. E agora o PS quer privatizar porque é evidente que nós não podemos nada. É contra a globalização… é uma situação de facto. Nós não contamos. Mas podemos tirar partido. Acha que nos prejudicamos por continuar a viver na ilusão do tal império? Exatamente, as coisas evoluem.

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