"Kosovo é o coração da Sérvia". A última polé
Na semi-final que opôs Novak Djokovic a Carlos Alcaraz, neste sábado, no torneio de Roland Garros, e que o sérvio venceu após queixas físicas do adversário, o tenista espanhol foi bastante claro ao descrever o que tinha acontecido na partida. " Se alguém disser que ter Djokovic do outro lado da rede é o mesmo que ter qualquer outro, está a mentir. O nervosismo e a exigência física que 'Nole' me colocou nos dois primeiros sets causaram tudo", afirmou o espanhol sobre as dores que sentiu e que condicionaram o seu desempenho.
Djokovic chegou assim à sua sétima final no emblemático torneio francês contra o norueguês Casper Ruud, ultrapassando o espanhol Rafael Nadal como o maior vencedor de Grand Slams na categoria masculina. Um feito, sem dúvida, mas, nos dias que precederam a final, o sérvio foi notícia por motivos que ultrapassaram os courts de ténis e que o colocaram no centro de uma polémica envolvendo o seu país natal e o Kosovo.
Tudo começou a 29 de maio quando Djokovic, após vencer o primeiro jogo no torneio, escreveu na lente de uma câmara de televisão presente em Roland Garros: "Kosovo é o coração da Sérvia. Não à violência".
Depois desse episódio, a Federação Internacional de Ténis (ITF) confirmou ter recebido uma carta da federação de ténis do Kosovo que enviou "às autoridades que administram os Grand Slams" e, dois dias depois, a 31 de maio, a mesma ITF clarificou que não estão proibidas declarações políticas dos jogadores.
"As normas de conduta dos jogadores durante um torneio de Grand Slam estão definidas pelo regulamento dos Grand Slams, formulado pelos respectivos organizadores e reguladores. Neste regulamento não há nenhuma disposição que proíba declarações políticas", declarou a federação internacional.
No dia anterior, a Federação Francesa de Tênis (FFT) tinha também publicado um comunicado sem abordar a questão de uma possível punição. "Os debates sobre a atualidade internacional às vezes entram nos torneios, é compreensível", referia a FFT.
Tudo isto aconteceu num quadro de tensão crescente entre a Sérvia e Kosovo nas últimas semanas, depois de a comunidade sérvia no norte do Kosovo ter boicotado as eleições municipais em quatro cidades da região onde são maioria. A Sérvia, apoiada pela Rússia e pela China, nunca reconheceu a independência do Kosovo, proclamada em 2008. Desde então, a situação política é de tensão entre Belgrado e Pristina.
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Ver artigo"Não sou um político", sublinhou Djokovic em conferência de imprensa. "Como uma figura pública, mas também como filho de um homem que nasceu no Kosovo, sinto uma responsabilidade adicional de tentar expressar meu apoio ao nosso povo e à Sérvia como um todo. É o mínimo que posso fazer. Não sou um político e não tenho a intenção de entrar num debate".
Não é a primeira vez que Djokovic se pronuncia sobre o Kosovo. Em janeiro de 2008, quando conquistou pela primeira vez o Open da Austrália, declarou: "Kosovo é Sérvia".
"Um lado provocador"
"A frase de Djokovic não é uma surpresa", diz à AFP Lukas Macek, investigador do instituto de ciências políticas Jacques Delors, com sede em Paris."Novak é alguém que mantém vínculos com alguns círculos nacionalistas sérvios e as suas posições nesse sentido são frequentes. Mas a questão do Kosovo, inclusive para os sérvios muito moderados, ainda é uma ferida, um assunto delicado e doloroso", explicou Macek.
A questão também é sensível para os kosovares: um mural com o rosto de Djokovic foi vandalizado na noite de segunda para terça-feira num edifício de Orahovac, uma pequena cidade no sudoeste do Kosovo, onde centenas de sérvios convivem com albaneses, que são maioria.
Esta não é a primeira vez que o tenista sérvio se envolve em polémicas que ultrapassam a modalidade desportiva. A posição de não se vacinar contra a covid-19 foi a mais famosa e custou-lhe ter ficado vários dias retido na Austrália em janeiro de 2022, sendo finalmente deportado sem poder disputar o primeiro Grand Slam do ano por não estar vacinado.
Djokovic manteve a sua posição em relação à vacinação e, por exemplo, este ano não pôde participar do Masters 1000 de Indian Wells, nos Estados Unidos. "Ele tem opiniões que não estão no 'mainstream' ocidental. Sem dúvida, tem um lado provocador", assinala Macek.
Em plena pandemia, Novak organizou um torneio por vários países que faziam parte da antiga Jugoslávia, provocando uma série de contágios quando o mundo vivia confinado.
Outra das suas controvérsias foi a eliminação nos oitavos de final do US Open de 2023, depois de ter acertado com uma bola de forma involuntária numa juíza de linha e as suas tentativas de liderar uma reorganização do circuito masculino também geraram desconfianças.
A personalidade de Djokovic é um enigma para muitos. Nas palavras de um diretor de torneio, a sua atuação parece "romper os laços de uma popularidade à altura de seu talento".
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