Geladeira, dentadura, aluguel: do que precisam os brasileiros que vão pegar o consignado do Auxílio Brasil
Quanto vale arrumar os dentes apodrecidos após uma doença? Trocar a geladeira velha de casa para armazenar os remédios de um filho? Ou pagar dívidas do mês para conseguir respirar? Para muita gente, vai valer uma boa parte do Auxílio Brasil descontada por mês.
No empréstimo consignado, o desconto é feito direto na fonte. Para o consignado do Auxílio, as parcelas podem comprometer no máximo 40% do valor mensal recebido pelo governo federal, que será pago em até 24 parcelas e com juros máximos de 3,5% ao mês.
A medida é criticada por especialistas, que apontam para o risco de endividamento ainda maior da população mais vulnerável, que precisa do dinheiro para o sustento básico das famílias.
Em entrevista recente à 💥️GloboNews, a planejadora financeira Myrian Lund explica que uma taxa de juros semelhante à desta linha de crédito é encontrada com facilidade fora de empréstimos consignados, 💥️o que tira o sentido de travar o desconto no benefício.
"Não faz sentido trocar uma dívida sem garantia por outra que trava o benefício para despesas de sobrevivência. Para que se pode usar? Digamos que precise de uma geladeira, ou de algo muito importante. Só usar se for algo de valor e duradouro", diz a especialista.
Na semana em que o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio foi liberado em todo o Brasil, o 💥️g1 foi na última terça-feira (11) até a fila de uma unidade da Caixa Econômica Federal, na Zona Sul de São Paulo, para ouvir quem busca pelo empréstimo.
Rosana tem 42 anos e faz bicos como recepcionista em um petshop. Diagnosticada há um ano com lúpus, ela viu a doença avançar rapidamente sobre sua pele. No rosto, lesões vermelhas tomam boa parte da bochecha direita. Mas é na boca que ela mais sente os efeitos da doença.
Ela morava em Juquiá, no interior de São Paulo, quando o resultado da biópsia saiu. O calor — que agrava sua sensibilidade — e a falta de oportunidades de trabalho a fizeram voltar para a capital paulista há 9 meses.
"É muito quente no petshop com secador e eu não aguento mais ficar de máscara. Mas como trabalho na recepção, sou a linha de frente. E os clientes não podem me ver assim", ela diz, abaixando a máscara. "Preciso colocar a dentadura, é a única solução."
Alynne é a única fonte de renda na casa em que mora com as três filhas pequenas. Para colocar dinheiro em casa, ela limpa um hospital e algumas casas — quando consegue.
"Então peguei o empréstimo para pagar a geladeira à vista e não vou sentir a parcela no bolso", explicou. A filha dela tem deficiência de hormônio de crescimento e malformações vasculares.
Alynne diz que as contas de casa consomem tudo o que recebe com as faxinas. Só de luz, ela pagou mais de R$ 270 mês passado. E com leite, fralda e suplementos para a filha, a conta mensal vai para mais de R$ 1 mil.
Ela recebe ajuda dos pais quando precisa muito, mas sabe que eles também não têm como assumir parte de suas despesas.
Jamerson tem 29 anos e trabalha com a mãe em um pequeno salão num cômodo da sua casa. Ele atua como barbeiro, e ela, como cabeleireira.
Ele pediu R$ 2 mil para pagar as contas de casa, atrasadas há mais de dois meses. E também para investir no cômodo que ele e a mãe adaptaram para fazer cabelo e barba dos vizinhos de bairro.
Seu pedido ainda está em análise. Se não conseguir o dinheiro, conta que ele e a mãe precisarão fazer bicos de faxina e obra, além dos atendimentos no salão, para complementar a renda.
Luís Fernando (53) e Anderson Ricardo (34), tio e sobrinho, foram quatro vezes à Caixa naquela terça-feira. Eles estavam exaustos. “Eu moro na comunidade, não tenho comprovante de residência”, disse Luís, explicando por que não conseguia dar prosseguimento ao seu pedido.
Luís teve o Auxílio cancelado há quatro meses. Há dois, não recebe o pagamento da obra em que trabalhava como pedreiro. Ele tenta, agora, renovar o benefício e pedir o empréstimo para pagar pensão para 3 de seus 5 filhos.
O sobrinho, Anderson, é cozinheiro, mas está desempregado. Ele queria o empréstimo para pagar o aluguel e as parcelas atrasadas do celular.
Ana Paula tem dois filhos pequenos, de dois e três anos. Ela viu a situação financeira piorar ao longo do ano.
No total, 12 instituições financeiras, incluindo a Caixa Econômica Federal, estão autorizadas a emprestar o dinheiro desde a semana passada. Alguns dos bancos habilitados, no entanto, informaram que não darão continuidade à operação, ainda não disponibilizaram ou ainda estão estudando como será a oferta.
💥️Entre os que estão, essas são as taxas: Caixa Econômica Federal (juros de 3,45% ao mês), Pintos S/A Créditos (2,89% ao mês) e QI Sociedade de Crédito Direto S/A (a partir de 3,39% ao mês)
O 💥️Banco Pan informou que não está aceitando novas propostas, apenas fazendo análise de crédito para pré-cadastrados e enviando propostas aos clientes pré-aprovados. Tanto o 💥️Banco Agibank S/A como o 💥️Banco Safra S/A informaram ao 💥️g1 que ainda analisam se vão oferecer esse tipo de empréstimo.
De acordo com o Ministério da Cidadania, o valor máximo que poderá ser contratado será aquele em que as parcelas comprometam até 40% do valor mensal do benefício. Mas em vez de ser considerado o valor mínimo atual do benefício de R$ 600, que só vale até dezembro, valerá o de R$ 400. Assim, o valor da parcela será de no máximo R$ 160.
É obrigatório informar a taxa de juros aplicada e o custo efetivo do empréstimo no momento da contratação. É proibida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e de outras taxas administrativas e também o estabelecimento de prazo de carência para o início do pagamento das parcelas.
De acordo com as regras, se o benefício for cancelado, o empréstimo não será cancelado. Ou seja, mesmo se deixar de receber o Auxílio Brasil, o beneficiário precisa se organizar para pagar todos os meses o empréstimo até o final do prazo do contrato, depositando na sua conta o valor da parcela.
WebstoriesA oferta de crédito consignado por meio do Auxílio Brasil tem sido criticada por especialistas e entidades. Eles alegam que a medida pode ser danosa à população, porque os recursos do programa de transferência de renda costumam ser utilizados para gastos básicos de sobrevivência.
Com o empréstimo, no entanto, o cidadão pode ter até 40% do benefício descontado antes do pagamento. Isso significa que quem tem direito a receber R$ 400 passaria a receber apenas R$ 240, no limite. Os outros R$ 160 ficariam retidos para pagar a dívida.
Fazer um empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil pode valer a pena para quem tem alguma necessidade urgente e inadiável — mas não para pagar as contas do dia a dia, ou para fazer compras desnecessárias.
Isso porque o crédito pode comprometer a renda disponível do beneficiário por um longo prazo. Assim, pode faltar dinheiro por vários meses para fazer gastos essenciais, como alimentação.
Além disso, por ser atrelado ao pagamento, o beneficiário não consegue negociar melhores condições com o banco, como uma taxa menor ou prazo.
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