Shane Cienfuegos, primeira pessoa com gênero 'X' na carteira de identidade chilena
Shane Cienfuegos, a primeira pessoa no Chile a conseguir na Justiça a identificação de gênero 'X' na carteira de identidade, em 23 de outubro de 2022. — Foto: Martin Bernetti/ AFP
Shane Cienfuegos, 29 anos, é a primeira pessoa a receber uma carteira de identidade no Chile sem identificação de gênero, um ato que considera uma "vitória" contra a discriminação e contra a violência sofrida por sua comunidade.
"Senti um grande peso colocado nos meus ombros", disse, em uma mistura de nervosismo e descrença, dez dias após receber a primeira carteira de identidade não binária do país.
"É difícil ser a primeira pessoa", reconheceu Cienfuegos em entrevista à agência de notícias France Presse, que pede se identificar com o uso do pronome "elu" ("elle", no espanhol), não previsto pela norma culta, por se considerar "trans não-binário".
Os "não-binários" não se sentem exclusivamente masculinos, ou femininos, mas se percebem como ambos, uma combinação dos dois.
"Essa não é uma vitória de Shane, é uma vitória coletiva" das pessoas não binárias, acrescenta Cienfuegos, com seu longo cabelo preto, barba, batom vermelho e um vestido florido com lenço no pescoço.
2 de 2 Shane Cienfuegos, 29 anos, a primeira pessoa no Chile a conseguir, na Justiça, o direito de identificação não-binária na carteira de identidade. — Foto: Martin Bernetti/ AFP
Shane Cienfuegos, 29 anos, a primeira pessoa no Chile a conseguir, na Justiça, o direito de identificação não-binária na carteira de identidade. — Foto: Martin Bernetti/ AFP
Conseguir o "X" alivia, no entanto, apenas uma parte da extensa batalha para evitar a "discriminação" que as pessoas "não-binárias" sofrem, tanto "fora da comunidade quanto dentro", diz Cienfuegos.
"Elu" já sofreu três tentativas de assassinato. Em uma delas, por meio de um empurrão na estação de metrô de Santiago.
"Não sei quantas vezes já tive que lutar pela minha vida nas ruas. Sobrevivi. Foi duro sobreviver a um sistema cruel e desumano, que só quer nos deixar nas ruas", conta, antes de apresentar seu livro "Através do CIStema: memórias e reflexões de uma travesti", no Centro Cultural do bairro de Las Condes, onde alguns lhe pediam foto, enquanto outros olhavam impressionados.
Uma das saídas para pagar seu curso técnico em Serviço Social foi o trabalho sexual.
"Quando tinha nove anos, eu andava para a escola de manhã e gritaram para mim: Travesti! Não sabia o que era, mas sabia que iria me acompanhar pelo resto da vida. Ali, automaticamente me dei conta que não era homem, ou mulher", diz a coordenadora da unidade de intervenção social da Organização Transdiversidades (OTD) do Chile, uma entidade ativista que dá apoio social a pessoas trans.
Segundo uma pesquisa do Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh), foram registradas 1.114 denúncias de discriminação contra pessoas LGBTQIA+ em 2023, e 127 delas correspondiam a pessoas transgênero.
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Shane Cienfuegos enfrentou os tribunais chilenos para conseguir sua identificação, já que não existe nenhum canal administrativo para uma pessoa não-binária obter seu documento.
Em julho passado, com apoio da clínica jurídica da Universidade do Chile e da OTD do Chile, um tribunal de apelações de Santiago reconheceu sua identidade de gênero como não-binária.
Em julho de 2023, a Argentina foi vanguardista na América Latina, ao aprovar que o documento de identidade nacional do país adicionasse a opção "X" na definição de gênero.
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