Processo da Lava Jato está parado há 1 ano em meio a burocracia e trocas de acusações entre juízes
Há quase 1 ano, a decisão do Supremo Tribunal Federal de retirar da Justiça Federal e mandar para a Justiça estadual do Rio um processo da Lava Jato resultou na paralisação do caso e numa troca de acusações entre três varas criminais sobre a culpa pela demora.
Em dezembro do ano passado, o STF declarou a incompetência da Justiça Federal para julgar o processo da Operação Ponto Final, desdobramento da Lava Jato que desvendou um esquema de corrupção no setor de transportes durante os governos de Sérgio Cabral. No mesmo julgamento, o STF determinou o envio do caso para a Justiça do Rio.
As investigações tiveram início na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, responsável pelos processos da Lava Jato.
Com 20 réus, a ação penal foi desmembrada em relação ao empresário de ônibus José Carlos Lavouras, ex-presidente do Conselho de Administração da Fetranspor. Isso porque, na época da operação Ponto Final, em julho de 2017, a PF não conseguiu prender Lavouras porque ele estava em Portugal. Lavouras também tem cidadania portuguesa.
Depois da decisão do STF, a 7ª Vara Federal encaminhou o processo contra Lavouras ao TJ do Rio. A ação penal, que já tinha mais de 1.600 páginas, foi distribuída por sorteio para a 19ª Vara Criminal em janeiro deste ano.
Mas o processo principal, que já tinha 1.637 páginas, foi enviado fora de ordem. Isso sem considerar os vários processos anexos à ação penal, além dos materiais apreendidos na Operação Ponto Final.
Em um despacho publicado em 13 de janeiro, o juiz da 19ª Vara Criminal, Carlos Eduardo Figueiredo, determinou que o cartório entrasse em contato com o juízo da 7ª Vara Federal Criminal “com o fito de indagar sobre o encaminhamento ordenado de todas as peças da ação penal”.
Após uma série de troca de e-mails entre os cartórios da 7ª Vara Federal Criminal e da 19ª Vara Criminal estadual, em 14 de junho, uma certidão da chefe do cartório da 19ª Vara estadual atestou que “na migração dos expedientes por malote digital houve uma alteração significativa na ordenação de todo o processo, o que tornou impraticável a compreensão do feito”.
O ofício diz ainda que “foi necessário solicitar à 7ª Vara Federal Criminal todo o conteúdo por mídia (...) para que se pudesse ordenar todo o conteúdo do processo”.
Em 11 de outubro, o juiz da 19ª Vara Criminal decidiu encaminhar o processo à 1ª Vara Criminal Especializada do TJ, porque a denúncia trata de crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro – crimes que são de competência da vara especializada.
Dois dias depois, em 13 de outubro, uma certidão da chefe do cartório da Central de Processamento do TJ dizia que a 19ª Vara Criminal levou para lá vários carrinhos com 45 volumes físicos diferentes referentes à ação penal, e que havia um carrinho com outros 25 processos cautelares que sequer tinham sido distribuídos, ou seja, não tinham numeração no sistema eletrônico do Tribunal de Justiça do Rio. A chefe do cartório da Central de Processamento afirma que se recusou a receber o material por estar em desconformidade com o código de normas do TJ.
No mesmo dia 13 de outubro, um despacho do juiz Marcelo Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada, afirma em letras maiúsculas que o processo “tramitou na 19ª Vara Criminal desde janeiro, e somente em outubro houve a tentativa de entrega de processos sequer digitalizados e não distribuídos”.
Rubioli cancelou a distribuição do processo para a 1ª Vara Criminal Especializada, e advertiu que somente seriam admitidas ações que fossem enviadas integralmente e em ordem cronológica dos atos processuais. O juiz determinou a devolução dos autos ao juízo da 7ª Vara Federal.
No dia 21 de outubro, a juíza federal Caroline Figueiredo, substituta da 7ª Vara Federal, enviou um ofício à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio. No documento, a juíza federal diz que o processo foi baixado definitivamente na 7ª Vara Federal em 28 de janeiro, e que "agora, quase 9 meses depois", a Justiça estadual determinou o seu retorno.
A juíza Caroline Figueiredo ainda escreveu, em negrito, que “diferente do que parece crer o magistrado (da 1ª Vara Criminal Especializada), o juízo da 7ª Vara Federal não lhe é subordinado, não lhe cabendo dar ordens para a secretaria da vara federal”. A magistrada registrou, também, que proibiu a secretaria da 7ª Vara Federal de receber o processo encaminhado pelo juízo estadual.
Em resposta, no dia 11 de novembro, o juiz estadual Marcelo Rubioli publicou um novo despacho: “Tendo em vista o impertinente e arrogante ofício direcionado à Corregedoria do TJ, determino o envio da decisão anterior à Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 2ª Região para conhecimento do que realmente ocorreu, como prova do serviço desidioso (negligente) prestado pela 7ª Vara do TRF-2”.
Rubioli escreveu ainda no ofício que, se ele “não possui ingerência hierárquica, apesar de se tratar de ordem judicial à ação administrativa daquela displicente serventia judicial, menos ainda ele (Rubioli) é responsável pela "espinhosa tarefa de retificar o processo por força da ausência de ação percuciente [perspicaz] dos servidores" da 7ª Vara Federal Criminal.
Por fim, Rubioli solicitou que a Corregedoria do TRF-2 determine à 7ª Vara Federal que envie os autos com urgência, "de forma minimamente inteligível e processável", já que "estão paralisados não por obra do juízo" estadual.
Um especialista ouvido pelo RJ2 criticou a falta de comunicação dos sistemas das justiças estadual e federal.
"As justiças federal e estadual adotaram sistemas informatizados que não se comunicam. A gente hoje tem uma situação como essa que um processo eletrônico está num limbo. Não está numa vara e nem na outra. Essa situação, embora rara, já aconteceu outras vezes, não com esse nível de embate entre magistrados. Mas os sistemas não se falam e isso traz esses problemas. Precisa ser melhorado", disse André Perecmanis, professor de Processo Penal da PUC-Rio.
Ao todo, 12 pessoas foram presas na Operação Ponto Final, em julho de 2017, entre elas o empresário Jacob Barata Filho, conhecido como "Rei dos Ônibus".
Outro alvo é o empresário José Carlos Lavouras, que durante quase 30 anos foi presidente do Conselho de Administração da Fetranspor, a Federação das empresas de ônibus do Estado. Na época da operação, Lavouras estava em Portugal, e não foi preso. Em 2023, ele teve sua delação premiada homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Lavouras já foi condenado em outras duas ações penais da Lava Jato a 21 anos de prisão, mas não vai para a cadeia. Isso porque seu acordo de delação prevê início de cumprimento de pena em regime domiciliar.
A juíza federal Caroline Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal, informou que se manifestará apenas nos autos do processo.
Questionamos o Tribunal de Justiça do Rio se os juízes Carlos Eduardo Figueiredo, da 19ª Vara Criminal, e Marcelo Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada, queriam se manifestar. Mas não tivemos resposta até a última atualização desta reportagem.
A defesa de José Carlos Lavouras disse que o empresário "firmou acordo de colaboração com o Ministério Público, homologado pelo Superior Tribunal de Justiça. Para ele é indiferente a Vara Criminal que irá julgar a causa”.
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