A Rússia pode ser obrigada a pagar reparações de guerra à Ucrânia?
Guerra na Ucrânia - Homem anda em meio a prédios destruídos em Mariupol em 22 de abril de 2022 — Foto: REUTERS/Alexander Ermochenko
Um fim para a guerra na Ucrânia não parece estar à vista no momento, mas a comunidade mundial está discutindo como a Rússia pode ser obrigada a pagar pelos danos de guerra causados por seu Exército no país vizinho. Uma resolução da Assembleia Geral da ONU de 14 de novembro, pedindo a Moscou que pague reparações, recebeu 94 votos a favor, 14 contra, e 73 países se abstiveram.
Em setembro último, o primeiro-ministro ucraniano, Denys Schmyhal, estimou em 💥️326 bilhões de dólares os danos físicos diretos sofridos até agora como resultado da guerra. A soma foi verificada por especialistas do Banco Mundial, disse Schmyhal em uma reunião em Bruxelas. E é provável que o número aumente ainda mais até o fim do conflito.
A Rússia já rejeitou a resolução. O documento é "legalmente insignificante", de acordo com o diplomata russo na ONU, Vasily Nebensia.
Reparações são basicamente pagamentos de compensação feitos por um Estado pelos danos causados por seus atos criminosos. O especialista em direito internacional Paul Gragl, da Universidade de Graz, explica que os valores e tipos de pagamentos são determinados por instituições internacionais ou por um tratado de paz após o fim do conflito.
Um dos casos mais conhecidos de reparações dizia respeito ao então Reich alemão após sua derrota na Primeira Guerra Mundial em 1918. Houve reclamações de mais de 200 bilhões de marcos de ouro que deveriam ser pagos ao longo de décadas. A República Federal da Alemanha, como sucessora legal do Reich alemão, fez a última transferência em 2010. Também após a Segunda Guerra Mundial a Alemanha teve que pagar reparações aos Aliados.
Existem alguns outros exemplos de reparações na história moderna, como os pagamentos de reparações do Iraque pela ocupação do Kuwait em 1990/91. A base para os pagamentos foram as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Elas são consideradas um precedente, o que foi apontado pelo representante permanente ucraniano na Assembleia Geral da ONU, diz Paula Rhein-Fischer, da Academia para a Proteção Europeia dos Direitos Humanos da Universidade de Colônia.
2 de 3 O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma videoconferência em Moscou em 5 de outubro de 2022 — Foto: Sputnik/Gavriil Grigorov/Kremlin
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma videoconferência em Moscou em 5 de outubro de 2022 — Foto: Sputnik/Gavriil Grigorov/Kremlin
As resoluções da Assembleia Geral da ONU não são juridicamente vinculativas. Elas têm mais peso político porque refletem a opinião da comunidade internacional, diz Paul Gragl. "Isso expressa uma intenção política de não esquecer que a Rússia, como agressora, é obrigada a reparar esses danos", disse Gragl.
Paula Rhein-Fischer também fala de um sinal político. A Rússia dificilmente pode ser persuadida a pagar reparações através dos mecanismos internacionais existentes. "Há um claro problema de jurisdição no Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas (cujas decisões são juridicamente vinculativas). No entanto, Moscou se recusa.
Uma decisão juridicamente vinculativa sobre as reparações poderia, portanto, ser tomada pelo Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI), de acordo com Rhein-Fischer. Sua jurisdição é limitada a quatro tipos de crimes: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.
No entanto, para que o tribunal processe os crimes de agressão (que podem levar a uma decisão sobre reparações), é necessária uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, e espera-se que a Rússia, como membro permanente deste conselho, vete essa decisão. As acusações contra autoridades russas por outros delitos sob a jurisdição do TPI já estão sob investigação judicial, mas as investigações podem se arrastar por muito tempo.
Segundo Rhein-Fischer, uma terceira instância que teoricamente poderia obrigar a Rússia a pagar reparações é o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH). No entanto, a Rússia retirou-se do Conselho da Europa em setembro de 2022 e, desde então, não está mais sujeita às decisões do TEDH. O tribunal só poderia ordenar à Federação Russa que compensasse a Ucrânia pela destruição ocorrida entre fevereiro e setembro de 2022, explica Rhein-Fischer.
Com base nas experiências dos últimos anos, no entanto, é de se esperar que a Rússia não implemente uma decisão correspondente do TEDH. "Além disso, é muito controverso se a Convenção Europeia de Direitos Humanos pode ser aplicada a conflitos em andamento", diz a especialista, acrescentando:
Também está sendo discutido se os fundos russos que foram congelados como parte das sanções impostas a Moscou poderiam ser usados para pagar reparações. O foco principal são os ativos estrangeiros de empresas russas sancionadas, propriedades particulares e as reservas cambiais do banco central russo.
"Claro que há uma diferença legal entre 'congelar bens' e 'confiscar bens'", diz o especialista em direito internacional Gragl. "Congelar significa que isso só acontece temporariamente."
O confisco de ativos russos como reparação, por outro lado, não é possível sem uma base legal, de acordo com Rhein-Fischer. No entanto, ainda não existe uma comissão internacional de arbitragem, e a decisão sobre o confisco pelos tribunais nacionais envolve grandes complicações legais.
Um novo mecanismo internacional a ser criado poderia remediar a situação. A resolução da ONU de 14 de novembro prevê seu estabelecimento. A vice-ministra da Justiça da Ucrânia, Iryna Mudraja, já havia declarado que isso permitiria a vários Estados "passar da discussão para a ação".
Ao mesmo tempo, como enfatiza Rhein-Fischer, os ativos estatais para fins soberanos − que neste caso provavelmente também incluem as reservas cambiais russas − são protegidos pelo direito internacional por meio da imunidade de confisco. No entanto, a resolução da Assembleia da ONU poderia oferecer uma oportunidade para incluir nos tratados entre a Ucrânia e outros países uma cláusula que tiraria essa imunidade da Rússia.
"Na minha opinião, esse ponto levanta questões legais, já que os contratos não podem ser celebrados em detrimento de terceiros", diz Paula Rhein-Fischer. Nesse caso, a terceira parte, que não faz parte do contrato, seria a Rússia. "Mas outra questão é se essa prática pode levar a mudanças nas regras existentes do direito consuetudinário internacional", continua a especialista.
3 de 3 Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, durante visita à cidade de Kherson — Foto: Assessoria da presidência ucraniana/via REUTERSPresidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, durante visita à cidade de Kherson — Foto: Assessoria da presidência ucraniana/via REUTERS
Na opinião de Rhein-Fischer, suspender as sanções contra a Rússia em troca do pagamento de reparações seria menos problemático do ponto de vista jurídico.
Um acordo de paz entre as partes, em que a Rússia se comprometesse a compensar os danos que causou, seria o ideal. "Mas, infelizmente, isso é improvável na situação atual", avalia.
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