Oito anos após a Copa, entorno do Maracanã tem 'cracolândia', rotina de assaltos e furto de cabos
No penúltimo domingo de novembro, dia 20, o planeta acompanhou a abertura da Copa do Mundo no Catar. Há pouco mais de oito anos, em 2014, foi a vez do Brasil sediar o Mundial, e o Rio de Janeiro foi a cidade que teve o maior número de partidas — 15 jogos, incluindo a final —, todas no estádio do Maracanã.
Se, em 2014, o bairro homônimo da Zona Norte era tomado por festas e policiamento reforçado, atualmente, o que se vê na região está longe do legado prometido do megaevento.
1 de 10 Estádio do Maracanã na tarde de sexta-feira (18) — Foto: Marcos Serra Lima/g1Estádio do Maracanã na tarde de sexta-feira (18) — Foto: Marcos Serra Lima/g1
Nos últimos dias, o g1 percorreu o entorno do Maracanã e ouviu reclamações da população sobre os problemas no local: lava a jatos clandestinos, lojas de carros que usam de uma das faixas da avenida Radial Oeste como estacionamento, pontos de usuários de drogas e insegurança, cenário semelhante ao encontrado pela reportagem em 2018.
2 de 10 Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro — Foto: Arte/g1Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro — Foto: Arte/g1
Quem mora no bairro, trabalha na região ou estuda no campus da Universidade Estadual do RJ (Uerj) que fica ao lado do estádio, relata a necessidade de mudar a rotina para evitar ser vítima dos constantes assaltos.
"Eu trabalho na [Boulevard] 28 de Setembro e passo aqui [pela estação da Supervia do Maracanã] todo dia. Tem muitos assaltos e os bandidos levam celular, bolsas, relógios etc. Hoje, não tem hora para eles agirem. Eu tenho andado muito de Uber por conta dos crimes. A pé quase não ando, porque tenho medo. À noite a situação é ainda pior, fica tudo muito deserto. Falta luz em alguns pontos de ônibus, falta patrulhamento. Só fica movimentado quando tem jogo no Maracanã. Tem também diversas pessoas em situação de rua e lixo espalhado pelo bairro. Não ficou legado nenhum, aqui, após a Copa.", desabafa a podóloga Vânia Apolinário Amâncio da Silva.
3 de 10 Oito anos após a Copa do Mundo no Brasil, entorno do Maracanã vive degradação, como falta de segurança, assaltos e Cracolândia — Foto: Marcos Serra Lima/g1Oito anos após a Copa do Mundo no Brasil, entorno do Maracanã vive degradação, como falta de segurança, assaltos e Cracolândia — Foto: Marcos Serra Lima/g1
A professora Aline da Conceição Teixeira Machado faz coro em relação à falta de segurança.
"Aqui a gente tem que andar com o celular dentro da roupa, andar com a mochila na frente do corpo. Teve uma reforma no estádio, gastaram milhões e não ficou legado nenhum. No começo, quando teve a Copa do Mundo, você via uma certa segurança e manutenção do entorno. Mas [atualmente] vemos uma falta de conservação no entorno. Vários governos passaram e hoje está tudo largado. Quando passo aqui, tento buscar lugares com mais pessoas porque não sabemos o que vai acontecer com a gente", relata a professora.
A insegurança relatada por Vânia e Aline se reflete nos números do Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP-RJ), que comprovam o aumento da criminalidade na região. De acordo com dados do ISP, casos de roubo de celular aumentaram 185% na região entre 2014 e 2022: foram 115 assaltos nos entre janeiro e setembro de 2014 e 328 casos no mesmo período deste ano.
Os roubos de veículos também cresceram na área: foram 165 entre janeiro e setembro de 2014 e 366 no mesmo período em 2022 – ou seja, um aumento de 121% em relação ao mesmo período de 2014.
4 de 10 Cabine da PM desativada na Avenida Radial Oeste, Zona Norte do RJ — Foto: Marcos Serra Lima/g1Cabine da PM desativada na Avenida Radial Oeste, Zona Norte do RJ — Foto: Marcos Serra Lima/g1
O deslocamento até a região, que tem sistema de ônibus, metrô e trem, é considerado satisfatório pelos moradores. Entretanto, a sensação de abandono parece ser unanimidade entre frequentadores da região.
"O bairro está largado. Muita sujeira debaixo da passarela do metrô até a Uerj, poste com as luzes apagadas e muitas pessoas em situação de rua que não têm atendimento", destaca a estagiária de enfermagem Gisela Souza Marques, que trabalha em um hospital da região.
Ao longo da avenida Radial Oeste, inúmeros lava a jato clandestinos invadem uma pista da via que passa ao lado do estádio do Maracanã. O grupo utiliza ligações de água e luz irregulares, os chamados "gatos", para que o comércio ilegal funcione. No mesmo local, onde há lojas de carros, comerciantes usam parte da via como estacionamento para expor seus veículos.
5 de 10 Carros fazem fila dupla na Avenida Radial Oeste para troca de peças — Foto: Marcos Serra Lima/g1Carros fazem fila dupla na Avenida Radial Oeste para troca de peças — Foto: Marcos Serra Lima/g1
No fim de 2017, a Prefeitura do Rio fez uma operação para multar os motoristas que utilizassem o serviço de lava a jato irregular. As ações continuaram nos últimos anos, mas não surtiram efeitos.
A Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) informou que " realiza operações constantes no local, além das ações em dias de jogos no Maracanã". Segundo a pasta, "já foram feitas diversas ações de desobstrução do espaço público, lava-jatos, ferros-velhos, remoção de estruturas e ordenamento e acolhimento a pessoas em situação de rua. Como resultado dessas operações foram encontradas ligações clandestinas de água e luz, além do recolhimento de mais de 20 toneladas de materiais e entulhos deixados irregularmente em área pública. As operações seguirão sendo feitas rotineiramente".
De acordo com moradores do entorno do estádio, a formação de uma "cracolândia" na região contribuiu para o aumento da criminalidade. O g1 foi até o local e observou que usuários de drogas ficavam aglomerados em uma praça próxima da Uerj e em frente aos lava a jato, além de ficarem no entorno da estação da Supervia do Maracanã.
Antônio Edimar Rodrigues, comerciante e morador do Maracanã há 25 anos, dá "nota zero" ao que define como falta de preocupação da Prefeitura em relação às pessoas em situação de rua.
6 de 10 Mulher em situação de vulnerabilidade atravessa avenida Radial Oeste, no entorno do Maracanã, Zona Norte do RJ — Foto: Marcos Serra Lima/g1Mulher em situação de vulnerabilidade atravessa avenida Radial Oeste, no entorno do Maracanã, Zona Norte do RJ — Foto: Marcos Serra Lima/g1
"Nota zero para a Prefeitura do Rio e para a PM. A segurança é nenhuma. Eu vejo assalto todo dia a qualquer hora do dia. Às vezes eles (os bandidos) passam de bicicleta e levam os pertences das pessoas. Alguns dos crimes são cometidos por pessoas em situação de rua. Infelizmente, aqui no bairro estamos sujeitos a tudo. Há cerca de dois meses, meu irmão foi agredido por um morador de rua e quase perdeu um dos olhos. Quem vive nesse bairro está abandonado", diz.
A reportagem também pediu um posicionamento da Secretaria Municipal de Assistência Social sobre as pessoas em situação de rua no bairro e não obteve respostas.
7 de 10 Mulher em situação de vulnerabilidade dorme na avenida Radial Oeste, no entorno do Maracanã, Zona Norte do RJ — Foto: Marcos Serra Lima/g1Mulher em situação de vulnerabilidade dorme na avenida Radial Oeste, no entorno do Maracanã, Zona Norte do RJ — Foto: Marcos Serra Lima/g1
8 de 10 Mulher vasculha lixo no entorno do Maracanã — Foto: Marcos Serra Lima/g1Mulher vasculha lixo no entorno do Maracanã — Foto: Marcos Serra Lima/g1
9 de 10 Mulher joga placa metálica no lixo no entorno do Maracanã — Foto: Marcos Serra Lima/g1Mulher joga placa metálica no lixo no entorno do Maracanã — Foto: Marcos Serra Lima/g1
O terreno onde um dia foi a sede do antigo Museu do Índio, ao lado do estádio, se transformou na Aldeia Maracanã. O espaço é alvo de uma disputa judicial e atualmente é ocupado por moradores diversos. No local, é possível observar muito lixo, entulho e até uma casa de pau a pique.
"É perigoso, né? A gente caminha ou correr por aqui com medo", diz a aposentada Maria José da Silva que faz exercícios no entorno.
10 de 10 Prédio do antigo Museu do Índio, ao lado do Maracanã — Foto: Marcos Serra Lima/g1Prédio do antigo Museu do Índio, ao lado do Maracanã — Foto: Marcos Serra Lima/g1
Em nota, a Secretaria Estadual de Cultura informou que "o imóvel é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) desde 2013, e atualmente está em posse" da pasta.
Ainda de acordo com o comunicado, "um dos grupos que ocupava o prédio, após se retirar do imóvel, continua dialogando com o Governo do Estado, principalmente através da Secretaria de Direitos Humanos".
"Já um segundo grupo ainda permanece no imóvel, sob risco de acidentes. Para garantir a segurança destas pessoas, está em andamento um processo judicial para retomada da posse da edificação e do terreno para que, assim, possa haver continuidade no trabalho de encaminhamento de restauro do prédio", informou a secretaria.
Muitos moradores relatam que falta iluminação nas ruas do bairro. A Prefeitura do Rio confirmou a queixa de quem vive na região. Em nota, a RioLuz afirma que "o sistema de iluminação pública vem sofrendo ataques de furtos e vandalismos, sendo a região do Maracanã, na Grande Tijuca, uma das mais recorrentes".
Segundo a RioLuz, "nos últimos 50 dias, foram enviadas 37 vezes as equipes técnicas nesta região para restabelecer a iluminação, ou seja, é um furto em menos de 48 horas, de acordo com um levantamento feito pela parceria público-privada (PPP) de iluminação da Prefeitura do Rio, coordenada pela RioLuz, em parceria com a subconcessionária Smart Luz. Além dos cabos da rede elétrica, os criminosos também furtaram, no mês de outubro, 30 luminárias em frente ao Estádio do Maracanã".
"Esta situação está prejudicando demasiadamente o nosso serviço. Sabemos que muitos desses delitos são praticados por usuários de drogas. Estamos criando estas soluções paliativas para dificultar a ação dos criminosos e reduzir os prejuízos econômicos", disse Paulo Cezar dos Santos, presidente da RioLuz.
A Polícia Militar informou que "nos dias sem eventos esportivos, as ações ostensivas do 6ºBPM (Tijuca) seguem abrangendo o bairro Maracanã, que também conta com a atuação específica de equipe do Programa Bairro Seguro". A instituição destacou que "o batalhão está empenhando esforços para reforçar o policiamento no entorno da arena esportiva e ruas adjacentes, inclusive com o emprego de policiais militares em bicicletas e efetivo vindo do Regime Adicional de Serviço (RAS)". Segundo a pasta, "entre os meses de janeiro e setembro, o 6ºBPM efetuou 330 prisões em toda a sua área de policiamento.
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